"Rastro de Pluma" é um livro de haicais e tankas, escritos de forma livre, por Jiddu Saldanha, apreciador da literatura japonesa aclimatada ao estilo brasileiro, Jiddu é um velho militante da forma fixa haicai e tanka. Estudou tankas com Mitsuko Kawai e o Haicai, aprendeu na prática cotidiana, mas nutre grande admiração pelo mestre Paulo Franschetti, de quem jiddu não ousa se julgar discípulo, embora o admire tanto.
Com prefácio de Ricardo Silvestrin e Quarta Capa de Mário Pirata, "Rastro de Pluma" é o segundo livro de Jiddu Saldanha. Compre com o próprio autor.
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Poesia transnacional
(Ricardo Silvestrin)
Aqui, está o refinamento de uma poesia que só pode
nascer de um profundo silêncio. Não por acaso, o poeta Jiddu é um dos grandes
mímicos do Brasil. O que é um mímico senão um maestro do silêncio? E, como tal,
ele sabe reger dois tipos diferentes nesse livro: o haicai e o tanka. Num dos
haicais:
descobrimento –
tudo já estava ali
na paisagem
Basta ver para descobrir. Mas ver não é tarefa
fácil. É preciso tirar da frente dos olhos as palavras, o rio de pensamentos
ruidosos que nos cega. Não é preciso acrescentar discurso, muita subjetividade
ao que já está ali.
Olha só:
Dia de calmaria –
os barcos descansam
da pescaria
Essa festa silenciosa do olhar percorre todos seus
haicais. Mas, atentem, silêncio aqui é diferente de introspecção. O haicai
capta o que está fora do poeta. Melhor seria chamar, se houvesse o termo,
exospecção.
A paixão por esse pequeno poema que nasceu no Japão
há mais de quatrocentos anos segue viva e cultuada no mundo inteiro. Mas há uma
outra forma da poesia clássica japonesa: o tanka. É nela que Jiddu vai beber
para nos trazer outro tipo de silêncio, agora sim o da introspecção.
Veja esse:
foi assim que a vida
se apresentou para nós
em meio à fumaça
um tempo de vozes confusas
silêncios mal interpretados
No tanka, o mundo nebuloso da subjetividade está
presente. Mas, mesmo assim, a cultura japonesa não fez disso um poema
verborrágico. É ainda silêncio, mesmo que mal interpretado. De novo, nosso
poeta-mímico, aquele que é capaz de interpretar o silêncio.
Com esses tankas, Jiddu traz uma grande
contribuição para a nossa literatura. É uma sequência de trinta excelentes
poemas. Não há muitos praticantes entre nós dessa forma que tem no Japão nomes
como Takuboko Ishikawa e Machi Tawara. Lembro de uma bela sequência de tankas
de Borges. Dos poetas brasileiros que conheço, li tankas esporádicos, não um
conjunto forte, sensível e bem acabado como esse.
Mais um:
de onde vem
este medo de perder tudo?
não temos nada...
os pássaros ainda cantam
e todas as manhãs estão intactas
A consciência de que não temos nada, zen budista,
anima tanto o haicai quanto o tanka. É essa comunhão mais profunda, filosófica,
que une os praticantes das duas formas poéticas japonesas, como uma
transnacionalidade espiritual, pelo mundo afora. Em cada uma dessas formas, o
poeta, como o pássaro nesse tanka do Jiddu, "diz de seu instante":
o pássaro que canta
nesta manhã tão fria e úmida
diz de seu instante
as folhas estremecidas
lamentam o frio do outono
Ricardo Silvestrin - Poeta