sábado, 13 de julho de 2013

Arabela e Frajola - Capítulo IX

O deputado Samir “Rosalva” de Souza retorna à câmara, com um discurso pronto, para exigir que seja votada uma moção, a fim de elevar o status de Arabela, Beringela e o gato Frajola à condição de terroristas de estado. Na plenária, os olhos dos deputados parecem assustados com a figura bizarra de um homem com cabeça de mulher e uma marca de costura no pescoço, obra do famoso cirurgião Dr. Odorico Josh Jonh.
O deputado levou a melhor não só pelo fato de o voto não ser secreto, como também, pelo pavor dos deputados da oposição diante da monstruosa figura de Samir de Souza. Assim que a votação termina, o deputado passa por cima de toda a cadeia de lideranças e dá ordens explícitas à vigésima cavalaria mecanizada e a trigésima terceira divisão de infantaria para sitiar a comunidade do Crocodilo.
Na comunidade, a Brigada Arabela, formada por quatro mil e quinhentas mulheres armadas, se prepara para enfrentar a tropa anunciada nos jornais manipulados pelo deputado. A população desesperada, corre aos supermercados e estoca comida. Porto City se prepara para viver o maior de todos os flagelos da humanidade, uma guerra civil.
Numa das escolas da comunidade, a professora Natália Flag, com sua imensa habilidade para lidar com comunicação digital, abre seu celular e aciona com um único toque o SMS de alerta que se espalha rapidamente por todas as escolas do país. De forma coordenada, centenas de milhares de professores conduzem milhões de crianças para abrigos escondidos em lugares inusitados nos subterrâneos das vilas, bairros, cidades e estados de Porto City.
Tudo é feito de forma silenciosa e sorrateira, com um planejamento feito nos mínimos detalhes, em casa, em seu apartamento, Arabela apanha Frajola no colo e enquanto lhe faz um carinho, vê, pela TV internacional, as cenas de milhões de pessoas sendo conduzidas pelas ruas do país. Em seguida ela muda de canal para saber o que a imprensa nacional fala e vê apenas o rosto bizarro de Samir de Souza dando um discurso: “Nosso país está sendo invadido por forças estranhas que querem destruir nossas instituições e acabar com a família, em nome de vocês, amado e querido povo, decidimos agir”.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ladrão de Bicicleta - CONTO

Ladrão de Bicicleta.
(Jiddu Saldanha)

Um amigo se despede de outro numa esquina qualquer de uma cidade do interior do Rio de Janeiro, manda recomendações à sua família, e segue em direção ao poste, lá tem uma surpresa desagradável: Sua bicicleta foi roubada! Ele olha para o lugar onde prendeu-a e vê apenas o vácuo, uma espécie de miragem. Vira-se para um lado e depois outro. Nada. A cidade segue sua rotina, os transeuntes entram e saem dos bancos, os barulhos de todos os dias continuam. Não há qualquer vestígio do ladrão.  Naquele momento, todos são suspeitos. Ele encara pessoas nos olhos, inclusive crianças e até cachorros. Seria um daqueles cães, amigo fiel do ladrão? Pensa em todas as possibilidades, faz todas as simulações. Desolado, liga para casa e fala tristemente à esposa, “amor, roubaram minha bicicleta”.
Numa cidade como esta, um trabalhador sem sua bicicleta é um nada; um zé ninguém; uma pessoa fadada ao fracasso; uma espécie de pária; um cão sem dono; um João sem braço. É com este pensamento que ele para num botequim e toma uma dose de cachaça, come um ovo colorido, lê as notícias de crimes no jornal e sai. Parece atordoado e agora cambaleia em direção ao ponto de ônibus. Lá, vê a imagem do terror; descobre que será mais um na fila do coletivo caro, irá completar a melancolia dos que esperam. Sua expressão, outrora feliz, mergulha na fumaça da desolação. Ele adormece e perde o último carro, até as lotações piratas estão cheias. Caminha solitário com passos lentos. Sente o frio enquanto se deprime cada vez mais. Toma a decisão de ir à pé e faz uma oração: “Jesus, pega em minhas mãos e me conduz até em casa”.
Ele desaparece na neblina e passa a fazer parte da escuridão. Seus sapatos estão gastos, sua roupa exala o cheiro de seu cansaço, na estrada a caminho de casa, ele pega garoa, sereno, um vento sudoeste bem forte lhe fustiga a cara. É uma noite fria, com sons de coruja, canto de grilos, e aviões supersônicos passando sobre sua cabeça. Os contrastes, ora sutis, ora avassaladores, parecem construir o mapa do caminho. Ele atravessa a extensão de um lago seco, vê a vegetação escurecidas, depara com gatos abandonados, caracóis africanos se deslocando e deixando rastro de brilhantes. Ele vê um cavalo morto, um casal sentado numa marquise fazendo sexo. Repara nas lâmpadas queimadas, nos carros que passam em alta velocidade e pequenas casas iluminadas com barulho de TV ligada.
Perto de chegar em casa, a imagem do possível ladrão vem em sua memória. Ele começa a pensar nos políticos, imagina o rosto de um senador, de um deputado, de um chefe de polícia, todos fugindo com sua bicicleta. Desperta o riso em sua alma, abre o portão e é recebido pelo seu cachorro, feliz e preocupado. O cão sente seu cansaço e balança o rabo com mais vigor ainda, salta sobre ele, lambe suas mãos, agradece seu retorno para casa. A esposa abre a porta preocupada, mas com o olhar cheio de ternura, abraça-o feliz, por estar vivo. Toca seus cabelos já meio grisalhos. Ele a abraça e chora.
No banheiro, lava o corpo na água bem quentinha, na sala, encontra um delicioso prato de sopa bem quente e os gatos caminhando em sua frente, como se lhe estivessem abrindo caminho entre os espíritos até a mesa. Ele bebe a sopa com colheradas sonoras, sendo vigiado pela mexas negras da esposa que lhe estende o melhor sorriso. Assim, subitamente, do nada, ela fala a única frase da noite: “Fique tranquilo, meu amor, nesta vida, vão-se os anéis, mas ficam os dedos”!


Cabo Frio, 11.07.2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013

OPINIÃO - A Revolução Permanente.

Uma reflexão sobre os rumos das manifestações nas ruas e praças do Brasil.

No dia 08 de Março de 1857, nos EUA, 130 mulheres morreram queimadas porque protestavam contra o trabalho escravo. Recebiam menos que os homens, cuidavam dos filhos e tinham que trabalhar 16 horas por dia. A truculência do estado, simplesmente fechou as portas e cometeu o crime.  53 anos depois, em 1910, o dia 08 de março foi escolhido para ser O DIA INTERNACIONAL DA MULHER.  Este ato de coragem entrou para a história, mas a humanidade nunca mais foi a mesma, desde aí. As mulheres fizeram em 100 anos o que não fora feito por toda a história da civilização ocidental. Elas questionaram a brutalidade masculina e a manipulação das religiões, contra seus direitos e, agora, não tem mais volta e todos nós, no fundo, sabemos que nenhuma bomba de efeito moral as fará desistir.
Desde que os militares argentinos seqüestraram os filhos das mulheres daquele país, elas foram para a praça de maio e enfrentaram a fúria do leviatã, com penelaços e gritos de “abaixo a ditadura”, fincaram o pé e não saíram mais. Já vai para 4 décadas e elas agora protestam contra todo tipo de opressão. No fundo, sabemos que todas as ditaduras passarão, mas as mulheres da praça de maio estarão sempre lá, influenciando e mudando os rumos da história.
Também no Brasil, vimos todas as manifestações possíveis. Desde a “marcha das vadias”, “passeata do orgulho gay” e “marcha da maconha” e, há não muito tempo atrás, uma multidão de adolescentes chamados de “Caras Pintadas” ganharam as ruas do Brasil para destronar o presidente super homem. Alguns anos depois, esses jovens, já saindo das universidades, votaram num outro presidente saído das camadas populares e deram a ele todas as chances, embora, tenham se decepcionado.
A notícia boa é que os "caras pintadas" conseguiram o que quiseram; a notícia ruim é que alguns setores da mídia tentou dizer que eles foram a massa de manobra de alguém. Tenho uma notícia pior ainda, para aqueles que gostam de dizer que o brasileiro é um alienado e só pensa em futebol e samba. A péssima notícia é que os filhos dos "caras pintadas" estão em alerta e não estão de brincadeira! Eles se articulam muito mais rápido do que imaginamos, eles têem uma eficiência rasteira que nenhuma bala de borracha consegue alcançar.
Os conservadores e céticos, resolveram cutucá-los com a vara curta. Que azar, depois de quase 8 anos de aumentos abusivos de preços em todos os setores resolveram rir da cara deles, colocando míseros 20 centavos de aumento em suas passagens de ônibus.
Quer dizer, não basta aumentar o preço, é preciso humilhar! É preciso ser irônico. É preciso fazer troça com o último pingo de suor do rosto deles.
Mas agora, vou ser obrigado a dar uma ótima notícia para todos.
A massa está engrossando. Estão vindo os filhos e netos dos “caras pintadas” junto com a “turba de 68”, os furiosos das “diretas já” e os exércitos de excluídos. Negros, índios, bolivianos. Os estudantes que não conseguem ter uma universidade decente. Os artistas que nunca são levados a sério, os gays, as domésticas... Todos estão saindo das sombras. Esses 20 centavos são apenas uma alegoria. Toda essa multidão frustrada e traída sabe, que quando for às ruas, não serão recebidos com flores mas a sabedoria do tempo, também ensinou a essa massa descontente que, nem mesmo trancando-as em galpões e ateando fogo neles, vão conseguir conter a marcha da revolução permanente!

Jiddu Saldanha,
15.06.2013

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Arabela e Frajola - Capítulo VIII

Na comunidade, Berinjela é saudado por moradores em polvorosa; bandeirolas pretas e cartazes com palavras de ordem como “viva nosso herói”, “mate todos eles”, “somos todos Berinjelas”.  A multidão se acotovela para ver o orgulho do bairro. Gritos de “viva nosso guerrilheiro” ecoa por todo lado. Moças bonitas ostentam cartazes maliciosos com contornos de bocas mandando beijos, e frases; “gostoso”, “queremos você”, “nosso ídolo”, “tesão”. Adolescentes de boné, fazem passos de hip hop, como se fosse uma coreografia guerreira, dão-se as mãos numa complexa saudação, mostram força e poder. Dançam para Berinjela que os saúda com um gesto de hip hop, no muro mais adiante, vários grafiteiros trabalham coordenadamente uma enorme fotografia dele com uma boina estilo Ché Guevara.
Do meio da turba, uma voz de mãe grita “filhaaaaa, minha filha querida, você está aí”, a meninazinha com a boneca barbie salta do conversível e grita “mãe, mãe, te amo mãe”, as duas se encontram no meio da multidão e se abraçam enquanto o carro se afasta, aos poucos, a menina vai desaparecendo no meio da massa e acena para Arabela, ela corresponde e ouve a voz infantil ressoar do meio da multidão, “eu te amo Arabela, eu te amo, nunca vou te esquecer, você ainda vai ouvir falar de mim”. Arabela consegue ver os olhos inchados da mãe em lágrimas, até que as duas desaparecem como se fosse uma miragem.
Arabela, séria, empunha uma submetralhadora UZI  e olha atentamente por entre as pessoas. Seu olhar farejador busca os agentes de Mostarda, que possam estar infiltrados. Em seu ombro, Frajola permanece teso, orelhas em pé, bigodes arrepiados. Volte e meia, o felino levanta o focinho no ar para sentir o cheiro dos cupinchas do deputado Samir de Souza. Está tudo bem, ele pressente que não há perigo, relaxa no ombro, encolhe o rabo, enrolando-o nas patas de trás enquanto se equilibra e ronca próximo ao ouvido esquerdo de Arabela. Ela também relaxa e começa a curtir a festa em homenagem ao seu amado, faz uma sutil expressão de prazer, parece feliz ao ver que as meninas da comunidade acenam pra ele expressando um desejo sexual coletivo. 
A força masculina de Berinjela hipnotiza as mulheres e Arabela, excitada, enrijece o corpo, suas pernas engrossam, seus braços ficam tesos e com um gesto radical dá um soco no ar, e de sua garganta explode uma raiva que faz a submetralhadora cair a tiracolo, ela solta um grito,  “Morte aos corruptos”. As meninas, entendem a mensagem, levantam fortemente os braços e Arabela fica surpresa ao perceber que todas elas portam metralhadoras. Os dedos nos gatilhos ao mesmo tempo produzem uma chuva cliques numa simulação de tiros pro ar enquanto gritam num coro que cobre toda a multidão, como um manthra. “SOMOS TODAS, A R A B E L A S”!

sábado, 8 de junho de 2013

A Arte de Ser Ignorado


O filme “O Enigma do Colar” cujo título original é The Affair of the Necklace, numa intrincada trama capa-espada, insinua que a rainha da França, Maria Antonieta foi guilhotinada por ter ignorado a protagonista. Mas não posso contar o filme neh?
Qual a sensação de ser ignorado? Como conviver com este sentimento de dor e decepção? Não posso falar por todos, no entanto, relato aqui algumas experiências genéricas para ilustrar esta crônica.
A primeira e, talvez, pior forma de “ignoramento” é quando, na adolescência; a garota por quem se está apaixonado vem e relata ter saído com o seu melhor amigo, isso parece clichê de telenovela, mas dói, gente, e como!
Não bastasse a total falta de sono e lágrimas da noite anterior, a desgraçada vem sorrindo no dia seguinte e conta como foi o primeiro beijo e dali uns cinco minutos quem aparece na tua frente beijando a “Desdêmona”? O próprio. Um horror! Trauma para o resto da vida...
Meu pai contava que os oficiais nazistas, quando combateram na frente russa, nunca mais foram os mesmos; tinham sido ignorados pelo Fürer na tentativa de alertá-lo sobre o risco da precipitação. Já o meu gato, o Flechinha, não aceita ser ignorado, seu miado pode atravessar uma mata escura em noite de lua cheia (confesso ser ridícula esta imagem do gato em noite de lua cheia, peço que ignorem...).
Dizem que o desabamento na serra do Rio de Janeiro fora avisado com muita antecedência e já era previsível há mais de 40 anos. Os apagões que queimaram todas os computadores e bombas de água da região dos lagos, antecedem a própria invenção da eletricidade. O hino nacional parece que nasceu para ser ignorado, principalmente pelos jogadores de futebol e atletas olímpicos!
Bom, paranoia à parte, ser ignorado tem seu lado bom.
Conheço uma pessoa que quando pega um ônibus ou para num orelhão, faz uma oração para ficar invisível. Medo de assalto. Será que funciona? Eu conheço a oração dos endividados agora, para ficar invisível, não; se alguém souber me manda, no Brasil de hoje, uma reza assim pode nos tirar de uma roubada, principalmente agora que é moda deixar número de CPF, o documento mais visível do planeta; em tudo quanto é lugar.
Eu suporto todo tipo de “ignoramento”, mas nenhum é pior do que o do facebook. Você escreve para a pessoa no dia 23 pela manhã e ela responde duas semanas depois pra dizer que está ocupada e não pode “falar” agora e ainda joga na tua cara que está com a agenda cheia!
Mas como sou daquelas pessoas irritantemente otimistas; Gosto de pensar que nada pode ser ruim neste mundo de egos onde ignoramos e nos ignoram (ainda que por vingança). No final das contas, viver em grupo, virtual ou não, sempre nos coloca frente a frente com o outro e isto é, talvez, a única experiência da vida pelo qual realmente valha a pena viver.

Jiddu Saldanha
06.06.2011

Crônica - À Espera do Público.

Um amigo poeta me disse que a maior invenção contemporânea foi a palavra “bulling”, graças a ela ele se libertou das amarras da solidão e perdoou até os pombos que cagavam em sua cabeça nos tempos de faculdade. Ele me disse com os olhos cheios de lágrimas que quando decidiu ser artista sofreu de tudo. Até a filha do padeiro que havia lhe prometido uma noite de amor, deu pra traz na hora que ele confessou o crime: “ Vou ser poeta e ator”! Isso mesmo. Diz ele que a menina levantou nos trajes que estava e saiu sem olhar pra trás e só voltou a falar com ele, divorciada e 30 anos depois.
Ele me contou que virou um marginal completo! Circulava pela cidade declamando Vinicius de Morais e Fernando Pessoa enquanto seus colegas de bairro fingiam que não o viam. Mas nem tudo era ruim, a rua XV de Novembro ficava infestada de belas polacas que lhe traziam dinheiro, flores e sorrisos enquanto os amigos da faculdade atravessavam a rua com o jornal Gazeta do Povo, tapando a cara! Segundo ele, uma cartomante famosa na cidade, comparou sua situação à de Jesus, e o aconselhou a ir para o Rio de Janeiro, onde, definitivamente, tornou-se um “Zé ninguém”.
Sua alegria, contou-me, era visitar os recitais do Urbana, e ver o poeta Samaral, o mais marginal dos poetas marginais do Rio de Janeiro, recitar poemas ácidos, completamente bêbado. Depois, ia para o Cep 20.000, no teatro Sergio Porto, para ver  Chacal, Elisa Lucinda e Mano Melo declamarem poemas políticos e sensuais. Cruzava o túnel até Copacabana e seguia a gang pornô do Cairo e Denise Trindade e depois passava a noite num boteco, bebendo com Zeca de Magalhães e Brasil Barreto até o amanhecer. Fazia sua higienização no Centro Cultural Banco do Brasil, até o dia que um segurança percebeu e o entregou para o chefe.
Quando meu amigo acordou estava com 55 anos e ainda não havia criado sua obra; me disse que cada vez que tomava a iniciativa de mostrar um poema pra alguém, faziam chacota do seu mal português e que seus momentos de declamação nunca tiveram público; sequer uma alma na platéia. Ninguém ia assisti-lo e quando percebeu, amargamente, sentiu na própria pele o que é não ser nada. Parece que se confundiu com o “tabacaria” de Fernando Pessoa e seu heterônimo Álvaro de Campos, onde o poeta afirma: “Não sou nada / Não posso querer ser nada / À parte isso / Tenho em mim todos os sonhos do mundo”!
Amargurado, recebi, numa noite de fortes ventos, em Cabo Frio, a notícia da morte do meu amigo. Chorei de forma egoísta porque comigo a vida não foi e não está sendo cruel. Tenho tido uma vidinha simples e boa. Também me sinto um Zé Ninguém, mas vejo charme nisso! Da vida artística não guardo qualquer ilusão. Os jovens são simpáticos e alguns até me chamam carinhosamente de "mestre". As crianças se aproximam de mim sem medo, meus colegas de profissão de vez em quando aparecem num ou outro show e sempre são simpáticos. Não recebo elogios rasgados e as críticas nunca são tão severas. E já vi muita sinceridade nos olhos de colegas de ofício que me convidaram para beber depois da apresentação.
Estou começando a acreditar, que um dia, vou ter uma surpresa: Talvez o público me encontre por aí. Quem sabe? Tudo é possível!

Jiddu - 17 de Agosto de 2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Arabela e Frajola - Capítulo VII

Capítulo VII

O Dr. Odorico Josh Jonh reúne os membros da organização para mostrar sua nova criação científica, a reconstituição física do deputado Samir de Souza. Uma casa retirada no subúrbio de Porto Citty, aspecto sombrio, sala com pé direito alto, luminárias antigas penduradas no teto e uma enorme mesa redonda com a presença dos principais líderes da Quadrilha da Luva. “Estamos num belo momento histórico, prontos para contemplar o limiar da ciência do terceiro milênio em Porto City”. Os aplausos irrompem num misto de expectativa e excitação. “Minha criação não tem nada a ver com o que o meu ídolo, o Dr. Frankenstein, criou. Vocês vão ver algo muito mais arrojado, um verdadeiro desafio no que concerne às técnicas de aperfeiçoamento humano. Trata-se do primeiro transplante de cabeça e pescoço, humanas, feito na América do Sul”. Ouve-se um sinal de tumulto “A ciência da América Latina está cada vez mais desenvolvida e...”, de repente um grito de mulher interrompe a fala do Dr. Odorico. “Anda logo seu filhadaputa, chega de discurso, quem dá discurso sou eu”.
O Dr. Odorico vai até o final da sala, abre uma cortina de onde a voz saiu, todos se espantam com a bizarra figura de um corpo de paletó e gravata, em pé, falando e esbravejando, com uma voz e cabeça completamente feminina. Na entrada que separa o pescoço do tórax, uma gola branca levemente ensangüentada bem no local onde fica a costura do corpo do deputado Samir de Souza e a cabeça de sua amante, Rosalva Gomes da Luz. Nos rostos dos participantes, uma expressão gélida de pavor. Mostarda, trêmulo, levanta sua taça de vinho bordô e meio inseguro grita para todos “Vamos saudar o deputado com um glorioso viva”, todos levantam suas taças e gritam ao mesmo tempo: “Viva nosso deputado”. 
O deputado circula por entre os membros da quadrilha e fala. “Vocês sabem que sou uma pessoa muito pragmática. Aquela vaca da Arabela explodiu minha cabeça, mas meu cérebro ficou intacto e o Dr Odorico teve de me colocar na cabeça dessa vagabunda que vocês estão vendo agora. Sim, porque Rosalva me traiu e eu a matei congelada numa câmara frigorífica. Para minha sorte, pois meu cérebro foi transplantado na cabeça da vadia e eu estou aqui. Alguém quer comentar alguma coisa?” 
O coronel Artaxerxes Moura levanta o dedo e fala, com voz trêmula: "Sr. Deputado, seu pescoço está cheio de vinho”, “Isso não é vinho, imbecil, é sangue, esse médico de araque costurou a cabeça da vaca no meu corpo como se estivesse costurando um cachorro. Vou cortar metade da verba de suas pesquisas”. O Dr. Odorico dá um sorriso amarelo enquanto há silêncio e mal estar geral. “Desculpe, Sr. Deputado”, diz o coronel. 
O deputado liga um retroprojetor e começa a passar imagens sucessivas de todas a cracolândias de Porto City. “As imagens que vocês estão vendo, é sobre nosso próximo plano para dominarmos definitivamente Porto City e depois disso, o Brasil e talvez toda a Amércia do Sul. Como vocês puderam notar, a ideia dos Zumbis falhou porque o antídoto caiu nas mãos  daqueles dois. Isso mesmo, Arabela, Beringela e até aquele gato agourento, juntaram-se à oposição, contra mim. A ação dos zumbis não foi a esperada, acabamos por descobrir que a ação dos zumbis brasileiros não são iguais os da América do Norte. Os de lá vão logo devorando tudo pela frente, os nossos são pacíficos, ficam vagando pela cidade exalando mal cheiro mas não fazem porra nenhuma". Razão pela qual, vamos transformar Porto City na maior cracolândia do mundo. Os usuários de craque são mais ativos que os zumbis, se ficam sem a droga, tornam-se agressivos e com um ship instalado eles vão infernizar a cidade, tudo controlado por nós.
Os membros da quadrilha levantam suas taças de bordô e gritam juntos, capitaneados por Mostarda: “Viva Porto City, a maior cracolândia da América do Sul”. Dão gargalhadas coletivas e parecem felizes com o novo plano. O deputado, não resiste, e bebe uma taça de vinho junto com todos, mas sua gola branca vai ficando ainda mais entumescida pelo vazamento entre os pontos de costura da pele do pescoço e do torax. Com a voz esganiçada de Rosalva, fala aos berros. "Esta cirurgia ficou uma merda, Odorico, dê um jeito de contratar um cirurgião plástico pra costurar essa porra".

domingo, 2 de junho de 2013

Crônica - Bichos de Guerra

Meu pai, em suas preleções sobre guerras, contava que quando os aliados bombardearam Dresden; uma chuva de napalms foi despejada sobre o Zoológico da cidade e que os bichos teriam se dispersado pelas alamedas da poderosa cidade industrial alemã, semanas depois, a população esfomeada, vítima da derrota nazista e da barbárie da guerra, tiveram que comer a carne dos animais mortos para sobreviver. Uma cena dantesca narrada pelo velho Hilário com detalhes. Imagens de terror e piedade num desfile da brutalidade humana contra cavalos, cães, pássaros, gatos, bichos selvagens e tudo o mais que habitasse o planeta.
Recentemente, um filme japonês me chamou a atenção. Um professor universitário encontra um filhote de Akita e decide adotá-lo, cuida dele com amor. Mais tarde, quando o professor morre, o bicho começa a ir à estação de trem para esperá-lo e a cena se repete por mais de 10 anos, todos os dias no mesmo horário. Essa história ficou famosa no Japão e uma estátua do cão foi erguida na mesma estação, e está lá até hoje para quem quiser ver. Esse filme me levou às lágrimas e passei a lembrar de outros filmes comoventes, como uma produção estadunidense, recente, que conta a história de um cavalo que sobreviveu à primeira guerra mundial do começo ao fim, alternando entre as tropas inimigas de ambos os lados.
Tomado de compaixão e delírio, passei a observar mais de perto os animais, nas diversas cidades brasileiras por onde circulo, e o que vejo é um quadro desolador: cachorros abandonados vagam à procura de seus donos, gatos magros e doentes que atravessam ruas dia e noite com seus olhos brilhantes de fome, e até cavalos que reviram lixo à procura de comida. Em cantos de postes perto de valas, existem ninhos de caracóis africanos, que, segundo a postura pública, transmitem doenças infecto-contagiosas. Ja vi cobras corail, jibóias e verdes, mortas em áreas mal preservadas. Em algumas cidades turísticas, o lixo se acumula e uma superpopulação de urubus são atraídos pelo cheiro de carniça em todos os lugares.
Desde os relatos românticos de filmes que contam histórias de amor entre animais e seus respectivos donos até a realidade crua que vemos no cotidiano de uma cidade, o que sentimos está bem longe de um filme poético e romanceado sobre o amor universal. Percebemos um mundo que se sustenta na corda bamba de um capitalismo cada vez mais cruel e voraz e que coloca bichos e homens indefesos no mesmo patamar de desolação. Vemos a miséria, a tristeza e a desesperança no rosto dos animais, assim como vemos a desigualdade social entre a própria espécie humana. Como achar o ponto de ruptura disso para a criação de uma sociedade mais justa? Fica a pergunta no ar.

Jiddu Saldanha – 21/01/2013

Videopoemas.

Existem várias formas de abordar a poesia através do vídeo, hoje, com as novas tecnologias, ficou mais acessível o contato do público e também do criador, uma câmera na mão, um poema na cabeça e tudo pode se transformar em audiovisual.









Fotopoemas

Com o advento da internet, o foto poema virou uma prática mais acessível a todos, embora exista desde os primórdios da fotografia. Selecionei aqui alguns ligados à minha prática poética. Estilos de versos livres que são combinados, às vezes aleatoriamente às vezes criados especificamente para o tema fotográfico.  


Modelo da foto - Christianne Rothier, fotografada por Jiddu Saldanha.























Poema de Jiddu Saldanha e fotografia do fotógrafo mexicano Raul Sibaja. Pessoa da foto, Jiddu Saldanha


Foto de Jiddu Saldanha, imagem de um urubu planando sobre Cabo Frio.

sábado, 1 de junho de 2013

Haicais - 2013

Estilo de poesia nascida no japão e que tem adeptos no mundo inteiro. Para alguns estudiosos, o haicai não é literatura mas um estilo de vida ligado à escrita. No Brasil temos diversos tipos de haicais originários da matriz oriental.  Os meus são de forma livre e em alguns casos 
inspirados nos mestres que escolhi para espelhar: 
Paulo Leminski, Paulo Franchetti e Herbert Emanuel

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Tapetes de sal –
É sobre eles que caminho
até o mar

*
Sofrer por amor –
é sentir que o que se ganha
traz  junto essa dor

*
Vento suave –
Sinto o cheiro da brisa
na tua saudade

*
O tempo passou –
Mas os cravos sobre os fuzis
ainda sangram

*
Sonho bonito –
A paisagem no meu sono
é  infinita

*
Para conhecer a fundo o universo do haicai, mantenho junto com a poeta carioca Chris Herrmann o blog NOSSO HAICAI

Suicídio de Artistas - Crônica

Chaplin,em sua biografia, conta dos artistas que começaram a se suicidar por volta de 1912. Artistas que ficaram desesperados quando perceberam que o surgimento do cinema fez nascer um conceito de mito, de fama, muito diferente do que estavam acostumados! Alguns se jogaram da ponte do Tamisa, outros apontaram revólveres para a própria cabeça, num sinal de protesto e, ao mesmo tempo declarando sua incapacidade de adaptação às mudanças rápidas que ocorrem no dia a dia ocidental.
Tenho ouvido discursos semelhantes de vários colegas, alguns estão considerando a possibilidade do suicídio, por se julgarem inúteis e mal encaixados num mundo globalizado e rápido como o de nossos dias, mas há também aqueles que se sentem sozinhos, deprimidos, sem trabalho ou interlocução para lidar com o contexto conturbado da vida política e do cotidiano do país!
Há aqueles que estão migrando para outras profissões e passaram a acreditar que realmente não é possível viver de arte, principalmente nos tempos atuais, onde o conceito de mito e celebridade passou a exigir cada vez mais, um apelo imediato e de total empatia com o público numa velocidade que não combina com um processo mais aprofundado de elaboração. A depressão, o medo, a angústia e a solidão tem sido uma constante na nossa profissão, sobretudo um sentimento de inutilidade e um certo vazio causado pela profunda falta de esperança. Há o medo de chegar à velhice sem qualquer cobertura do estado e/ou uma garantia de descanso depois de uma vida de trabalho. E ainda, o pior de todos os medos que ronda um artista. O esquecimento!
E tem aqueles que sentem medo de perder seus companheiros ou companheiras por não conseguirem uma forma digna de prover o sustento e dar garantias para sua família. Vivendo como se fossem mendigos hi-tec, sem dinheiro para viver mas usufruindo de uma vida de aparências, impossível de esconder, no grande big brother que se tornou nosso viver contemporâneo.
Na minha Percepção, esses fantasmas sempre existiram na vida dos artistas. Se hoje vivemos uma pressão econômica maior, em tempos outros, era bem difícil lidar com o TABU da profissão. Atualmente o artista é mais aceito pela sociedade de consumo; muitos criaram corporações e vivem de seu trabalho, outros conseguiram seu lugar ao sol trabalhando para grandes emissoras de televisão, ostentando um ar de sucesso e que muitas vezes, tem que ceder em suas crenças filosóficas para se tornar mero “vendedor de luxo” de produtos para o consumo de uma sociedade insaciável. E é diante desse e de outros quadros, que muitos se fragilizam conhecendo os limites da depressão e se vendo oprimidos em sua condição.
Quando recebo a notícia de que um colega de profissão deu cabo da própria existência, fico no vácuo de mim mesmo, num vazio muito grande, me perguntando o que o levou a cometer este ato para consigo mesmo.  As respostas eu não tenho, ninguém tem. Alguns podem nos convencer sobre abraçar uma fé cristã, encontrar um trabalho rentável, buscar um amor que o faça querer viver. Mas,sinceramente, não há uma resposta linear, senão o viver e o ser de cada um e, como diria Caetano, "cada um sabe a dor e delícia de ser o que é".
Aos amigos que fizeram essa escolha dramática, desejo-lhes paz, que encontrem algo além do que não encontraram aqui e àqueles que, por ventura, pensem num desfecho assim, para sua vida, desejo muita reflexão, um olhar alargado sobre as múltiplas situações da vida e uma reação forte no sentido de buscar realizar seus sonhos da forma possível, sem expectativas que gerem frustrações e desgastes para a alma! Como já disse minha mãe, tantas vezes, “é necessário sempre dar o passo do tamanho da perna e só depois que estiver acostumado, aí então, se deve saltar, com cuidado, para não cair no abismo". Viver e morrer é uma cosia só, estamos todos neste caminho e não adianta disfarces. Fico solidário aos que partiram, entendo seus motivos, comungo de sua dor e nunca desistirei de ama-los. Sempre penso em vocês...
                    
JidduSaldanha
03/06/2011

O Rio da Vida - Crônica

Crônica, saudando os 20 anos da fundação 
da organização Palhaços 
sem Fronteiras.
.

Quem viveu o início da década de 90 do século passado, conviveu com um terrível incômodo nas manchetes internacionais, a Guerra dos Balcãs ou a Guerra da Yugoslávia. Muita gente nunca tinha ouvido falar naquele lugar, sabia-se, precariamente, que ficava na Europa e que fora um lugar onde houvera o regime comunista. Falava-se que era um paraíso habitado por mulheres bonitas e que também tinha o Rio Danúbio, cruzado por pontes de arquitetura irretocável. Também se falava nos franco-atiradores, que se posicionavam em prédios para alvejar, a esmo, a população civil; tiros mortais que feriam crianças, velhos e até animais de estimação.
Acordar com a notícia da guerra na Yugoslávia tornava a “guerra do Rio de Janeiro” mais suportável, nos anos 90, jovens com menos de 20 anos de idade, matavam, em assaltos cinematográficos, passageiros de ônibus, que carregavam fotografia dos filhos e marmita para comer no trabalho. Os bad boys, com tacos de basebol buscavam, pelas madrugadas, adolescentes que retornavam para suas comunidades. Em Vigário Geral, uma gang formada por ex-policiais dizimou dezenas de inocentes. Alguns meses antes, membros da mesma gang matara crianças de frente para a Santa, na candelária. E, neste mesmo ano, minha amiga partiu para os Balcãs para ser Médica sem fronteiras e de lá ganhou mundo, levando a cura e a consciência de vida.
Em 1993, o palhaço catalão, Tortell Poltrona (Jaume Mateu Bullich ) fez uma apresentação num campo de refugiados da Yugoslávia para crianças, filhos da guerra e criou a organização Palhaços sem Fronteiras. Quando soube dessa notícia, percebi que o rio da vida corria em minhas veias, numa noite de delírio, imaginei o nobre palhaço, voando da Catalunia, como numa imagem de Marc Chagal, e aterrissando com suas asas de riso, pelos ermos campos da Bósnia, driblando os bombardeios com seus imensos sapatos e dando tortada na cara do Radovan Karadzik ( o então presidente daquele mundo em guerra) Imaginei Tortell pilotando uma nave azul e as noivas da macedônia acenando para ele, também com um lenço azul. Tortell invadia meu imaginário enquanto eu chutava latinhas nas marquises do Rio de Janeiro, pensando, qual seria o próximo lance de dados que teria de jogar com a vida.
Ainda nos anos de 1990, vi Tortell Poltrona, num teatro do Rio de Janeiro, sendo apresentado pelos gestores do projeto Anjos do Picadeiro, entrei anônimo e sorrateiro para assisti-lo e tive a felicidade de vê-lo dar uma “tortada” na cara do ator Luiz Carlos Vasconcelos, o palhaço Xuxú, que, inesperadamente, dividiu a torta comigo e meu rosto, enlameado de ternura, desmanchava-se numa enxurrada de lágrimas. O rio da vida escorria pelo teatro numa emoção coletiva até hoje inesquecível.
Tortell vive e as guerras também.
Hoje acordei com a notícia do bombardeio francês no Mali, notícias de mortes no Afeganistão, civis acuados na Síria, entre tropas do governo e rebeldes. Na TV filmes de horror profetizando guerras monumentais entre China, Estados Unidos e Rússia. No quintal de casa, um gato divide “irmanamente” com minha cachorra Sassá, um espaço numa cesta com paninhos e uma casinha e dentro de casa meus três gatos afiam suas unhas nas revistas velhas, no jardim, uma aranha tece uma bela teia e os marimbondos insistem em fazer sua casa em lugar proibido e... no meu coração, corre o rio da vida.

Jiddu Saldanha – 15/01/2013

Homens que Caem do Céu - Crônica

Passei boa parte do dia tentando amarrar cordas de náilon num gigantesco pedaço de plástico até juntar as quatro partes do mesmo e amarrar num cinto de pneu em forma de “X”. Tudo no meu tórax. Fiz alguns ensaios correndo pra lá e pra cá, medi o pé direito da casa como se fosse um especialista e concluí que a altura era boa para o primeiro salto do mais jovem pára-quedista da historia: Eu.
30 anos antes de meu grande salto, em 1944, mais precisamente no dia 05 de junho, os aliados jogaram sobre a cabeça dos alemães uma força de elite com 18 mil para quedistas que caíram silenciosamente do céu em diversas localidades da Normandia, França, com o objetivo de atacar os inimigos de dentro de seu próprio território, desarticulando-os para que, no dia 06, acontecesse o desembarque nas praias com soldados vindos da Grã Bretanha pelo mar. Eles chegavam em fabulosas embarcações de todos os tipos e este dia ficou conhecido na história como o dia “D”.
Em 1974, meu pai estava muito preocupado e com um problemão pra resolver:
- Desce daí meu filho.
Em cima do telhado eu via o céu azul, sentia o vento e mirava o vasto matagal à minha frente. Seu Hilário argumentava.
- A altitude é baixa, não vai abrir. Você vai quebrar a perna!
- Não vou não, pai, eu já treinei.
- Treinou errado, meu filho. Os pára-quedistas treinam em lugares altos, lá no Rio de Janeiro que é cheio de montanhas intercaladas de campos abertos e vastos e um vento quentinho, do jeito que o pára-quedas gosta. Você já viu alguma montanha em Curitiba? E o vento aqui é gelado, filho.
- Pai, você não está entendendo, eu sou o menor pára-quedista do Brasil, o primeiro com menos de 10 anos de idade, isto é um acontecimento histórico – embora não tenha dito isso desta forma, ficou clara a intenção.
- É, meu filho, com certeza você é um pioneiro, mas desce daí que te ensino a fazer um pára-quedas de brinquedo, igual aos que eu brincava quando tinha a tua idade.
- É mesmo?
Desci imediatamente apoiando-me pelas vigas do barraco.
Em 1962, o pára-quedista russo Eugene Andreev bateu todos os recordes de altura num salto com mais de 25 mil metros e que até hoje nunca foi superado. A brigada pára-quedista brasileira foi para o Egito em 1957 e ficou lá por quase 10 anos apoiando as nações unidas a manter a “paz” na região de Suez. Meu pai me ensinou a fazer para quedas com plástico e uma pedrinha amarrada embaixo, na base onde se encontravam os oito fios de barbante.
O pára-quedas foi o meu melhor brinquedo da infância.
Dizem que os filhos e filhas dos pára-quedistas nascem sorrindo por causa do friozinho na barriga que suas mães sentem a cada manhã de despedida, pois sabem que, naquele dia, alguém literalmente vai cair do céu, realizando grandes e poderosos saltos, mas desta vez, da altura certa e com total segurança, embora, num rigoroso treinamento militar, ou numa deliciosa brincadeira esportiva.
Eu nunca saltei de pára-quedas.
Mas meu pensamento voa quando vejo uma forografia!

Jiddu Saldanha
11.06.2011

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Arabela e Frajola - Capítulo VI

Capitulo VI

Na entrada da sala do deputado Samir de Souza, zumbis de mulheres bonitas e que um dia foram sexy se acotovelam, babando e se decompondo. Um forte cheiro de formol no ar. Sobre uma mesa, o deputado com uma seringa nas mãos discursa: “Vocês agora são o sonho de todos os políticos de Porto City, não reagem mais, apenas obedecem, é assim que tem que ser, obrigado a todos, com esta injeção nas mãos, poderei escolher sempre quem eu quiser. Faço sexo com uma de vocês e depois vocês voltam a ser zumbis da democracia portocytiense”.
Enojada, Arabela dispara sua UZI na direção do deputado que dá uma imensa gargalhada e sai voando pela vidraça do prédio. Num rodopio ele para no ar e começa a xingá-la. “Sua vagabunda, você nunca quis ser minha e agora veja, veja o que eu faço com mulheres que desafiam meu poder e minha virilidade” Arabela mal espera ele parar de falar, puxa um lança foguetes e aperta o gatilho. O obuz vai direto na cabeça e a explode. O olho esquerdo do deputado cai no chão junto com seus órgãos genitais, as mulheres zumbis se aglomeram em torno do pequeno membro e o disputam de forma patética até devorá-lo por inteiro. Uma das mulheres esmaga o olho com o sapato vermelho, como se fosse uma barata. Na ultima sala mais de 50 deputados escondidos com seringas de injeção pedem clemência a Arabela. “Meu negócio não é com vocês, peço que apliquem a injeção nos funcionários da câmara para que eles voltem ao normal, é tudo o que peço”. Berinjela, olha para ela e diz “Eu vou ficar aqui, minha deusa, se alguém negar a injeção, passo fogo".
Arabela mostra para os deputados o lançador de foguete portátil e deixa uma ordem para Berinjela “Se eles não fizerem o que mandei, pode fritar todo mundo, vou até o carro para ver como está o Frajola”. Ela pega uma das injeções da mão de um deputado e salta do ultimo andar do prédio e sai planando no ar, em seu parapente, por sobre a multidão de zumbis que andam a esmo sem direção. Arabela aterrissa ao lado do conversível e vê a garotinha de vermelho com a boneca Barbie numa mão e com a outra tenta fazer um carinho desajeitado em Frajola, que também se comporta como gato zumbi. Seu rabo duro, se decompondo, seus olhos cheios de fluidos e uma baba escorrendo pela boca, praticamente sem reação alguma. Arabela aplica meia injeção na menina e meia injeção no gato; eles vão se recuperando. A pele dela, o pelo dele, os pedaços de carne vão se remendando na boca, a pele estica, os cabelos dela e o pelo dele voltam a brilhar, subitamente a menina cai num choro e abraça calidamente Arabela que imediatamente é surpreendida pelo ronronar de Frajola, direto em seu ouvido, assim que ele salta em seu ombro, já recuperado.
Da cobertura do prédio, uma brigada de deputados, capitaneados por Beringela jogam flechas com seringas cheias de fluidos nos zumbis pacíficos de Porto City, a cada flechada eles vão recuperando sua condição humana, os corpos se reconstituindo pelo efeito dos fluidos até que se transformam numa multidão em pânico que corre a esmo, gritando nomes de pessoas queridas, fugindo em direção à larga avenida em torno do prédio, cheio de carros parados, atravessados no meio da rua, como num apocalipse.
Arabela abaixa-se e pergunta à menina com a boneca: "Onde está sua mãe?", "Não sei, hoje ela me trouxe para conhecer o palácio da república de Porto City para eu fazer um trabalho pra escola, mas aí todo mundo foi ficando com cara de mau e eu também fiquei assim", cai num pranto copioso e soluça enquanto grita, "Mamãe, eu quero minha mãe, onde está minha mamãe". Arabela chama Beringela pelo rádio, "Preciso de você, está um caos aqui embaixo, temos que sair agora, a guarda nacional está vindo pra cá", "Ok, minha deusa, to indo", salta do prédio e plana no ar em seguida arma seu parapente e aterrissa no conversível em já alta velocidade, retira o colete e o parapente sai voando sozinho, ele cai sentado no banco de trás ao lado da menina com a boneca barbie. "Precisamos encontrar a mãe dessa menina", diz Arabela enquanto o carro se confunde com a cidade em chamas, os carros parados na imensa avenida e a multidão correndo em todas as direções.

Arabela e Frajola - Capítulos IV e V


Capitulo IV

Jornal Serra da Morte

“Ninguém sabe até agora quem é a mulher invisível que ataca super mercados acompanhada de um homem grande e uma gata angorá de cor cinza – Veja matéria completa na página 4.”

Revista Centavos Novos.

“Especialistas debatem prejuízos que boatos causam para a economia e usam   como exemplo, a assassina do gato – Leia nosso editorial de hoje.”

Jornal da Família Portocytiense

“Invista na qualidade de vida, saiba como se proteger de animais soltos pelas ruas, veja nossa especialista em simpatias, como lidar com gatos pretos em noite de lua cheia – Coluna do Leitor”.

O Apocalypse

“Saiba mais porque, animais de estimação são coisas do demônio – Coluna da Verdade e da vida”.

Na banca de jornal, Arabela folheia todos os periódicos e dá muita gargalhada, Honório, curioso, começa a ler as manchetes em voz alta com seu forte sotaque português: “o pa, o que estão a dizeiere os meios de comunicação sobre essa chachôpa que mata gatos”, “a mídia tira proveito da situação sempre”. Do outro lado da rua, um Fiat pálio cinza derrapa, depois de fazer uma curva fechada e frear abruptamente. Frajola salta de cima das pilhas de jornal bem no ombro de Arabela e vai se equilibrando até se posicionar em seu colo. Ambos se dirigem ao carro que abre a porta e fecha imediatamente, dentro do carro, Berinjela tira os óculos escuros, vira a cabeça para trás e vai falando com ela enquanto dirige em alta velocidade. “Dois AK 47, um AR15, Uns 8 tipos de pistolas, nem sei pra que servem”, “pra matar, nós vamos matar”, “consegui uma 12 cromada especialmente pra você porque sei que você gosta”, “gosto mas só uso a minha”, “tem um saco debaixo do meu banco, são pentes de bala e munição à vontade, de todos os tipos”, “você trouxe as granadas?” “sim, temos 18 granadas de mão, você acha que vai precisar de mina terretres?”, “não, esse papo de mutilar criancinha não é comigo”, “mas fuzil com mira telescópica só tenho uma e se você não se importar, minha deusa, eu gostaria de usar”, “pode usar, confio no meu taco, não gosto de frescura, comigo é na base do Téte a Téte”.
Num bairro distante, Berinjela manobra o carro para dentro de um galpão, no final de uma rua de barro. Mostra para ela os coletes à prova de bala e em seguida abre um lap topa e aponta, num mapa do Google, todas as entradas para a câmara dos deputados. Depois, abre um gráfico com nome, fotografia e descrição das pessoas que vão morrer. Arabela parece desinteressada enquanto Frajola trava uma luta mortal com uma ratazana enorme, num dos cantos do galpão. Berinjela começa a acariciar o seio de Arabela e ela parece, agora, se interessar mais no assunto, fazem amor ali mesmo e depois começam a vestir as roupas de látex e encaixar todos os tipos de arma e dispositivos de guerra em seus corpos. Baionetas, pentes de bala, coletes, luvas, dispositivo para visão noturna, capacete de minerador, corda de alpinista. Uma mochila principal e uma bolsa tiracolo extra. Berinjela vai ao fundo do galpão, tira um controle remoto das mãos e aperta o botão e der repente a parede se transforma numa imensa porta automática que se abre lentamente, deixando aparecer um carro prateado ultimo modelo mas sem marca e com placa falsa.
Os dois se beijam recostados no pára-choque, ele abre um espumante, puxa dois copos e bebem juntos, entram no carro que desliza suavemente para a saída do galpão até desaparecer no meio da escuridão.

Capítulo V

Frajola aparece com um pedaço de carne podre na boca, Berinjela examina com cuidado; ela ainda se contrai. Está viva. Com uma consistência de nervo e músculo dá pra ver que é um pedaço da barriga de uma perna. Arabela estica seu AK 47, e cutuca a carne, meio escura, com sangue talhado nas bordas. “O que é isso?” , “Um pedaço de carne humana” responde Berinjela, bem taciturno. “Isso não está me cheirando bem tem algo muito sombrio no ar”.
Frajola agora está deitado e respira forte, parece ter alguma constipação animal, Arabela, puxa uma maleta de primeiros socorros e aplica-lhe uma injeção e observa-o em silêncio, depois pega seu corpo minúsculo e coloca no banco de trás do conversível. “Fique aí, você vai ficar bom, te vejo lá dentro daquele inferno”, mal termina a frase e já está cheia de ódio, dá um grito de guerra, engatilha a metralhadora e sai atirando na direção da porta de vidro. Ela percebe um grande movimento de pessoas andando a esmo, lá dentro. Berinjela joga uma granada contra a fachada que se estilhaça, provocando uma reação em cadeia por toda a vidraça do primeiro andar do prédio.
Subitamente, dezenas de pessoas começam a despencar para o lado de fora, elas estão sangrando pelo nariz e com os olhos muito vermelhos, não esboçam reação de qualquer natureza, apenas rolam pelas escadarias, depois levantam e continuam cambaleantes na direção deles. Vão se aproximando e soltando urros estranhos. Berinjela joga mais uma granada que explode e dispersa todo mundo, abrindo um flanco pelo centro daquele aglomerado de gente. Eles dão saltos, rabos de arraia e vôos de dragões, acertam cabeças, empurram peitos e com chutes e rasteiras abrem espaço e conseguem ver o que realmente está acontecendo, estão enfiados no meio de uma multidão de zumbis, homens, mulheres, crianças, com expressões horrendas, sangue no rosto, dentes pútridos, pedaços de pele com sangue marrom se misturando com roupas de grife.

Arabela e Frajola - Capítulo III

Capitulo III

No banheiro, Arabela cansada, liga a água quente que cai copiosamente sobre sua pele, ouve o chiado e vê o vapor subindo, fecha os olhos, sensação de prazer, decide tomar banho de banheira. Pega os sais, se esparrama, faz massagem nos pés e olha para o teto; estica a mão molhada ao lado do bidê e pega um álbum plastificado com fotografias de Frajola. Contempla-o ainda bebê, do tamanho de um camundongo, sua enorme cabeça, as orelhas e o corpinho magro. Depois Frajola já adolescente, brincando com o novelo de lã, fotos, fotos e mais fotos. Frajola agora é adulto, usa uma gravatinha vermelha, Frajola está sentado em frente à TV, Frajola dorme num travesseiro branco e felpudo, frajola dá tapas numa orquídea, frajola come um rato inteiro, frajola com suas patas arregaçadas mostra unhas como pequenos punhais. Arabela ri, chora, gargalha, fala com as fotografias.

***
A campainha toca. Arabela veste o roupão e vê frajola ao lado da porta de entrada da sala, está tranqüilo e sonolento. Ela puxa a maçaneta com cuidado, uma cesta de vime descansa do lado de fora sobre o tapete. Frajola cheira detalhadamente cada item da sexta. Não há sinal de perigo, ela recolhe a cesta e a coloca sobre o sofá: Chocolate amargo, pãezinhos recheados, uma garrafinha de licor, um arranjo de fitas encarnadas e um cartão feito à mão com bordado fino de fios de ouro, abre o cartão, a letra elegante de Berinjela toda em minúscula, um haicai.


“Sentido da vida –
To chegando para não ter
despedida”


(J.)

O Bilhete sobre um cartão de pepel poroso e branco.
“minha deusa, to chegando de vagar na tua vida pra te encher de amor, te segurar firme, quero te dar uma chave de abraço te derrubar no chão e começar contigo algo pra toda vida”.
Arabela chora copiosamente, suas lágrimas inundam a sexta, seus olhos ardem, sua pele vai mudando de tom, seu coração dispara. Arabela abre a cortina, a luz do entardecer entra com raios ainda quentes e iluminam ainda mais o cartão sobre a sexta. A campainha soa novamente, ela abre quase que no automático e cai nos braços de Berinjela, ele a suspende no ar, beija-a com força, ela arranca-lhe a camisa branca e arranha seu peito nu, ele acaricia seu rosto, morde seu pescoço, segura bem firme sua cintura, ela morde sua boca, lambe sua cara, aperta seu pênis com o ventre. Rodopiam pela casa até a lavandeira, depois no corredor, no quarto, voltam pra sala. Arabela monta em Berinjela, rebola em seu quadril, aperta seus braços. Ele encaixa a mão direita nos seios dela pela, acaricia sua pele com a língua, penetra-a bem fundo e engole o outro seio, depois o outro, um por vez até escutar seu gemido de fêmea no cio. Arabela goza, Berinjela goza. Comem chocolate, tomam licor, assistem juntos O Ultimo Tango em Paris. Voltam a fazer amor pela madrugada a dentro. Bebem outra garrafa de vinho.
Na cama, deitados lado a lado, incenso aceso, a fumaça com cheiro de hortelã.
“Eu tava te querendo há muito tempo”, “Percebi, mas sou mulher difícil”, “To puro pra você minha deusa, não comi ninguém desde que te conheci”, “Eu estava criando teia de aranha, nenhum homem me interessava”, “Agora você é minha”, “Êepa, também não exagera, não sou de ninguém, sou de mim mesma”, “Você é selvagem, Arabela, você castiga os homens”, “Sou uma mulher, estou vivendo minha vida”, “Tua vida ta na minha agora”... passaram a noite se tocando, falando, bebendo adormeceram sob o olhar sorrateiro e vigilante de Frajola. Depois acordavam e faziam amor novamente, bebiam e faziam juras, o tempo parecia ter parado para eles.
De manhã, o café na cama, Berinjela romântico, Berinjela apaixonado, Arabela, guerreira, vive intensamente aquele momento de pausa. Frajola circula pela casa, vasculha cada canto, tudo parece bem, ele se concentra em seu leite matinal. A TV, ligada. O repórter policial fala com voz gritada: “Ninguém sabe o paradeiro da serial Killer que ataca com um gato preto, os funcionários do supermercado disseram que ela estava com o demônio e que enfeitiçou o açougueiro, ambos promoveram uma chacina dentro do supermercado. O deputado Samir de Souza disse que vai abrir uma sindicância na polícia, pois a tal assassina do bichano é ex-policial”.
Arabela esfrega os olhos, vê a notícia junto com Berinjela, em silêncio, presta atenção em cada na reportagem. “Esse filho da puta desse deputado está chantageando a corporação”, mandou o Mostarda me pegar. “Vamos nos unir nisso, o Mostarda matou minha mulher e minhas filhas, meu coração quer vingança”, “O Mostarda é peixe pequeno, briga pessoal, vamos matar o deputado primeiro, depois a gente mata o secretário de segurança pública, eles fazem parte da quadrilha da luva. Esse povo é ruim, vamos matar eles e o povo de Porto City vai fazer uma estátua em nossa homenagem”, “Eu tenho o nome o endereço e sei como chegar na casa de cada um, mas pra fazer isso vamos ter que chamar o Amparo”, “deixe o Amparo fora disso, ele leva para o lado pessoal não quero tortura, o negócio é uma bala na cabeça de cada um e pronto, precisamos de gente fria e treinada, tem que ser uma galera que não se conheça entre si e que tenha uma meta em comum, acabar com a quadrilha da luva”, “Isso, vamos invadir a câmara de Porto City, podemos matar todo mundo, vamos levar bombas, vamos acabar com esses políticos de merda, vamos convocar a população para uma guerra civil”, “Não, não quero saber de política, de revolução, to fora, vamos comer o cu da esquerda e da direita mas sem politicagem, sem discurso, senão o povo vai acabar canonizando essa corja”, “Eu te amo, Arabela, eu te amo”, beijam-se de língua, abraçam-se com sofreguidão.


Arabela e Frajola - Capítulos I e II

Capítulo I


Numa tarde fria, em Porto City, Arabela sai para passear com seu gato. Os dois caminham silenciosamente pelas marquises desertas da cidade. Súbito, um barulho de latinha sendo chutada. Arabela ignora o som e segue adiante, até ouvir o miado de Frajola acompanhado de um arrepio nos pelos. 
Do outro lado da rua, dois garotos, com facas enferrujadas nas mãos anunciam o homicídio: “aí, piranha, o chefe mandou a gente te jantar!”... Arabela, sem pestanejar, puxa de dentro do casaco uma calibre 12 e grita, “piranha é puta que te pariu, toma”! E manda dois tiros, um para cada um, derrubando-os no chão com as cabeças destroçadas!
O telefone de Arabela toca, ela atende e é a voz de Mostarda, o pior bandido de Porto City. “O que você fez com meus meninos?” Ela pega frajola no colo, dá meia volta enquanto fala ao telefone. “Estou aí indo te matar, pilantra”!
Frajola bebe seu leite enquanto Arabela conversa no facebook. “Bah, como é que tu ta, guri”? Nada de resposta, passa o tempo e vem a frase: “Topa uma conversa pela câmera?”, “Acho que tua página tá com vírus, levei uma cantada!”, a tela vai se enchendo de pontinhos e duas letrinhas “rs”. “Vem cá, guri, tu ta querendo sacanagem? Não sou esse tipo de mulher, vê se te acalma e dá um jeito nesses hormônios, bate uma punheta...”. Ela vai à geladeira, retira uns congelados e coloca no micro ondas. Pega o livro de história da faculdade à distância e começa a ler.
Frajola agora está na caixinha de areia, faz suas necessidades, Arabela sente o cheiro e se desconcentra, fecha o livro, pega sua luva de plástico, a pequena pá e a vassourinha, remove os excrementos enquanto é acariciada pelo ronco do bichano, “peraí, Frajola, to no meio de uma operação importante, afasta”, frajola não se afasta, parece morder a mão dela e rapidamente se arrepia. Arabela capta a mensagem, se joga no chão e rola até a cozinha enquanto a vidraça do pequeno apartamento  começa a se estilhaçar, os cacos se espalham pela cômoda, derrubam o retrato da família e os vasos de planta, o lustre explode e se espatifa sobre a televisão ligada. Com os pés, Arabela bate a porta do corredor, sai pela área de serviço e reaparece novamente, mas desta vez com uma beretta engatilhada.
“Aparece aí seu corno, vou te encher de chumbo”, um homem grande vestido de Ninja surge do nada vindo na direção dela com uma katana, os passos lentos como de um lobo pronto para o bote, Arabela vê os olhos vermelhos de ódio e dali mesmo esvazia o pente na cara do sujeito. Os miolos se espalham no chão. 
Minutos depois, o telefone toca, Mostarda com sua gargalhada de velho, “Tu ta viva ainda, vagabunda”, “To, seu escroto, da próxima vez manda um profissional atrás de mim, porque esse não deu nem pra palitar o dente” o telefone faz um som seco e fica mudo ela ajeita o quadro torto na parede e caminha até a sala e passa uma vista d'olhos, está hiperativa, fareja tudo, observa todos os cantos da casa. O miado de Frajola parece pedir para que ela retome a tarefa de limpar sua caixinha.
Exausta, ela retira a comida  descongelada no microondas e começa a comer com garfadas pesadas, Frajola pula no seu colo e adormece. Ela relaxa. Agora parece desacelerada, a razão vai tomando conta de sua cabeça, na TV, um anúncio de sabonete rouba-lhe rapidamente a atenção, mulheres de meia idade, cabelos louros, pele suave, bonitas, espumas refrescantes pelo corpo.  Ela olha para o chão da sala e vê o corpo do ninja.  “Preciso me livrar desse presunto”. Acaricia o pelo de Frajola que dorme profundamente em seu colo de mãe!
A vontade de matar Mostarda, vai crescendo em seu coração!

Capítulo II

No super mercado, Arabela fica escandalizada com o preço do tomate, escolhe dois, pega um litro de leite na câmara frigorífica e se dirige ao açougue  “Um quilo de alcatra, Berinjela”. Ele encara-a nos olhos: “Nossa, se não é a minha deusa”, “Sai fora, não sou tua deusa sou de mim mesma!”, “Você sempre tem resposta pra tudo né?”, "Tu vive dando em cima do mulherio, até casada, que eu vi. Qualquer hora vai amanhecer com a boca cheia de formiga”, “Mas tu não é casada, minha deusa, tu é desquitada, e aquele teu ex é um maricas, não te tratou como mereces”,  “vamos parar com essa conversa de cercalourenço e me passa logo a carne... Escuta, porque é que te chamam de Berinjela?”,  “Ah, isso é uma longa história, quando quiser ouvir é só me convidar p’rum chimarrão”.
Arabela se dirige ao caixa, “A senhora sabe que não pode andar com esse gato dentro do supermercado, neh?”, “Ele é castrado e vermifugado”. Frajola olha para o caixa e se arrepia, dobra o rabo e faz uma careta jogando-lhe o bafo na cara. O homem continua encarando-a mas está em desvantagem, prensado entre o balcão e a registradora.  Arabela ajeita o ombro de leve e o coldre do 38 vem para frente na posição de saque,  Frajola pula na jugular do falso caixa que perde a concentração, ela saca o revólver e esvazia o tambor na cabeça dele. Três homens saltam por cima do balcão de cartões, puxam o pino das metralhadoras uzi e despejam sobre ela várias rajadas, Frajola grita como se antecipasse os tiros, ela se joga no chão, puxa a beretta do outro coldre e acerta a cara de um a um.  Do fundo do açougue a voz de Berinjela grita num estrondo, “cuidado deusa, atrás de você”. Arabela rola pelo chão e acerta um coice nos bagos do traiçoeiro. Uma faca viaja rápida até suas costas. Ele cai morto sobre ela, de olhos abertos e babando. As mãos de Berinjela afastam o corpo morto e os dois se olham nos olhos. Ela recusa a ajuda para levantar, mas vai direto ao assunto:  “Escuta, passa lá em casa pra gente conversar sobre esse teu apelido”, Berinjela mostra seus dentes brancos num sorriso de felicidade, “To indo minha deusa, espere por Berinjela, prepare o chimarrão”, “Pra você tem algo melhor, vou te servir um vinho”.
Na saída do supermercado, um caminhão de gás passa por ela com uma estranha mensagem em forma de musica... "temos gás mostarda, temos gás mostarda", ela olha para o caminhão e vê uma caveira que lhe acena ao volante.