sábado, 8 de junho de 2013

Crônica - À Espera do Público.

Um amigo poeta me disse que a maior invenção contemporânea foi a palavra “bulling”, graças a ela ele se libertou das amarras da solidão e perdoou até os pombos que cagavam em sua cabeça nos tempos de faculdade. Ele me disse com os olhos cheios de lágrimas que quando decidiu ser artista sofreu de tudo. Até a filha do padeiro que havia lhe prometido uma noite de amor, deu pra traz na hora que ele confessou o crime: “ Vou ser poeta e ator”! Isso mesmo. Diz ele que a menina levantou nos trajes que estava e saiu sem olhar pra trás e só voltou a falar com ele, divorciada e 30 anos depois.
Ele me contou que virou um marginal completo! Circulava pela cidade declamando Vinicius de Morais e Fernando Pessoa enquanto seus colegas de bairro fingiam que não o viam. Mas nem tudo era ruim, a rua XV de Novembro ficava infestada de belas polacas que lhe traziam dinheiro, flores e sorrisos enquanto os amigos da faculdade atravessavam a rua com o jornal Gazeta do Povo, tapando a cara! Segundo ele, uma cartomante famosa na cidade, comparou sua situação à de Jesus, e o aconselhou a ir para o Rio de Janeiro, onde, definitivamente, tornou-se um “Zé ninguém”.
Sua alegria, contou-me, era visitar os recitais do Urbana, e ver o poeta Samaral, o mais marginal dos poetas marginais do Rio de Janeiro, recitar poemas ácidos, completamente bêbado. Depois, ia para o Cep 20.000, no teatro Sergio Porto, para ver  Chacal, Elisa Lucinda e Mano Melo declamarem poemas políticos e sensuais. Cruzava o túnel até Copacabana e seguia a gang pornô do Cairo e Denise Trindade e depois passava a noite num boteco, bebendo com Zeca de Magalhães e Brasil Barreto até o amanhecer. Fazia sua higienização no Centro Cultural Banco do Brasil, até o dia que um segurança percebeu e o entregou para o chefe.
Quando meu amigo acordou estava com 55 anos e ainda não havia criado sua obra; me disse que cada vez que tomava a iniciativa de mostrar um poema pra alguém, faziam chacota do seu mal português e que seus momentos de declamação nunca tiveram público; sequer uma alma na platéia. Ninguém ia assisti-lo e quando percebeu, amargamente, sentiu na própria pele o que é não ser nada. Parece que se confundiu com o “tabacaria” de Fernando Pessoa e seu heterônimo Álvaro de Campos, onde o poeta afirma: “Não sou nada / Não posso querer ser nada / À parte isso / Tenho em mim todos os sonhos do mundo”!
Amargurado, recebi, numa noite de fortes ventos, em Cabo Frio, a notícia da morte do meu amigo. Chorei de forma egoísta porque comigo a vida não foi e não está sendo cruel. Tenho tido uma vidinha simples e boa. Também me sinto um Zé Ninguém, mas vejo charme nisso! Da vida artística não guardo qualquer ilusão. Os jovens são simpáticos e alguns até me chamam carinhosamente de "mestre". As crianças se aproximam de mim sem medo, meus colegas de profissão de vez em quando aparecem num ou outro show e sempre são simpáticos. Não recebo elogios rasgados e as críticas nunca são tão severas. E já vi muita sinceridade nos olhos de colegas de ofício que me convidaram para beber depois da apresentação.
Estou começando a acreditar, que um dia, vou ter uma surpresa: Talvez o público me encontre por aí. Quem sabe? Tudo é possível!

Jiddu - 17 de Agosto de 2013

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