domingo, 2 de junho de 2013

Crônica - Bichos de Guerra

Meu pai, em suas preleções sobre guerras, contava que quando os aliados bombardearam Dresden; uma chuva de napalms foi despejada sobre o Zoológico da cidade e que os bichos teriam se dispersado pelas alamedas da poderosa cidade industrial alemã, semanas depois, a população esfomeada, vítima da derrota nazista e da barbárie da guerra, tiveram que comer a carne dos animais mortos para sobreviver. Uma cena dantesca narrada pelo velho Hilário com detalhes. Imagens de terror e piedade num desfile da brutalidade humana contra cavalos, cães, pássaros, gatos, bichos selvagens e tudo o mais que habitasse o planeta.
Recentemente, um filme japonês me chamou a atenção. Um professor universitário encontra um filhote de Akita e decide adotá-lo, cuida dele com amor. Mais tarde, quando o professor morre, o bicho começa a ir à estação de trem para esperá-lo e a cena se repete por mais de 10 anos, todos os dias no mesmo horário. Essa história ficou famosa no Japão e uma estátua do cão foi erguida na mesma estação, e está lá até hoje para quem quiser ver. Esse filme me levou às lágrimas e passei a lembrar de outros filmes comoventes, como uma produção estadunidense, recente, que conta a história de um cavalo que sobreviveu à primeira guerra mundial do começo ao fim, alternando entre as tropas inimigas de ambos os lados.
Tomado de compaixão e delírio, passei a observar mais de perto os animais, nas diversas cidades brasileiras por onde circulo, e o que vejo é um quadro desolador: cachorros abandonados vagam à procura de seus donos, gatos magros e doentes que atravessam ruas dia e noite com seus olhos brilhantes de fome, e até cavalos que reviram lixo à procura de comida. Em cantos de postes perto de valas, existem ninhos de caracóis africanos, que, segundo a postura pública, transmitem doenças infecto-contagiosas. Ja vi cobras corail, jibóias e verdes, mortas em áreas mal preservadas. Em algumas cidades turísticas, o lixo se acumula e uma superpopulação de urubus são atraídos pelo cheiro de carniça em todos os lugares.
Desde os relatos românticos de filmes que contam histórias de amor entre animais e seus respectivos donos até a realidade crua que vemos no cotidiano de uma cidade, o que sentimos está bem longe de um filme poético e romanceado sobre o amor universal. Percebemos um mundo que se sustenta na corda bamba de um capitalismo cada vez mais cruel e voraz e que coloca bichos e homens indefesos no mesmo patamar de desolação. Vemos a miséria, a tristeza e a desesperança no rosto dos animais, assim como vemos a desigualdade social entre a própria espécie humana. Como achar o ponto de ruptura disso para a criação de uma sociedade mais justa? Fica a pergunta no ar.

Jiddu Saldanha – 21/01/2013

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