quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Entrevista com Flavio Machado.

Residente em Cabo Frio, Falvio Machado prepara o lançamento do seu oitavo livro, "Livro Amarelo". Nesta entrevista ele fala um pouco de sua arte poética, movimentos literários e tendências. Um bate papo inesquecível com este poeta produtivo aos 60 anos de idade.
(Jidduks)

A poesia é a arte do improvável.

"o coração segue
a letra
da canção"

(FM)

Sebo do Jidduks  – Você está fazendo uma coletânea de livros com as cores da bandeira do Brasil. Já fez o "Livro Azul", "Livro Branco" e agora recém lançou o "Livro Amarelo".  
O que te motivou a criar este conceito? E porque haicai?

Flavio Machado -  A coletânea nasceu por acaso, eu tinha um livro, com o nome de Livro Azul, não era de haicais, e ganhou prêmio de menção honrosa em um Concurso do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, como tinha começado a escrever haicais, pelo interesse despertados com a Cidade do Haicai, e as conversas com Jiddu, que rendeu até um vídeo, um dia vi que tinha uma quantidade razoável de textos, em  2013, reuni todos e editei o Livro Azul, depois de dez anos da publicação do primeiro livro: "Sala de Espera". 
Os haicais foram para aprofundar a experiência com os poemas curtos, e acabou por marcar o retorno aos livros. A linguagem do haicai, está muito próxima do meu conceito de poema. As cores da Bandeira do Brasil, surgiu totalmente por acaso, quando publiquei o Livro Branco, o segundo de haicai, achei que poderia copiar o cineasta polonês Krzystof   Kieslowski, ele dirigiu três filmes, remetendo a cor da bandeira da França: "A liberdade é azul" ; "A igualdade é branca";  "A fraternidade é vermelha". E seguindo a temática, lançarei no dia 01/02/2019, no Charitas às 19:30, o "Livro Amarelo", e caso consiga, editar até o final do ano o "Livro Verde".

"o último menestrel
morreu
atropelado"

(F.M.)


SBDJ – O Livro Amarelo será seu oitavo livro, se não me engano. Fale um  pouco de suas edições, até aqui.


FM – Publiquei 8 livros até agora. O primeiro em 2003, "Sala de Espera", foi vencedor do Prêmio Blocos para livros de poesia. eu tinha aos 44 anos. Ainda que tenha começado a produção de poemas em 1975, aos quinze anos.  O "livro Sala de Espera", reúne poemas da fase “marginal”, são poemas escritos entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, e contém um ritmo chamado por alguns críticos de cinematográfico, aliás esse estilo está nos livros posteriores, virou uma marca, um estilo.
O segundo livro, reúne haicais, o "Livro Azul", que comentei anteriormente, o verso curto sempre foi uma marca da minha produção. Após o "Livro Azul" que é de 2013 e surgiu dez anos depois do primeiro livro; veio o Livro "Provisórios", que é o mais premiado de todos; além de vencer o Premio LiteraCidade, recebeu indicação pela Academia Carioca de Letras, ficando com o segundo lugar, e terceiro no Prêmio da UBE. Também foi finalista  de uma premiação em Portugal. O livro reúne poemas mais trabalhados, com a experiência adquirida pelos anos de resistência, e posso considerar ser o livro mais bem acabado artisticamente, lançado em 2014.
O quarto livro, novamente só pode ser editado por ter sido vencedor do Segundo Prêmio LiteraCidade de Livro de Poesia, em 2015. Posso considerar que o Livro: "Este Lado para Cima", continua o processo  do livro "Provisórios", e de certa forma é mais ousado em termos de linguagem, não se preocupa com concessões, e segue esse ritmo mais próximo do que escrevo atualmente, tem uma evolução na escrita, mas não deixa de ter algumas marcas próprias: a busca pelo verso curto, enxuto, e pelo ineditismo dos temas. É nesse sentido que se trata de um livro mais livre, com poemas em série. Originalmente se chamaria "canções", assim como o "Provisório" na origem tinha o título de "Prosaicos".
O quinto e o sexto livros, são na verdade um único livro; "Á Margem", e novamente, o título original era "Poemas Marginais", esse título, por reunir poemas que estavam “esquecidos” dentro da produção dos anos 80, resolvi reuni-los, correndo o risco de que fossem considerados datados, a publicação em volumes 1 e 2, deu-se porque a Editora LiteraCidade, tinha um projeto de uma coletânea de livros de poesia: "Sementes Líricas", e que precisavam atender a um tamanho, e quantidade de poemas, e acabou sendo selecionado para publicação, o livro que chamo de Volume 1, como resultado artístico ficou muito bom, resolvi publicar os outros poemas seguindo o mesmo modelo, e surgiu então o Á Margem volume 2, os dois livros são complementares, e retornam as origens dos escritos dos anos 80, mas com uma atualização para esse nosso tempo, publicados em 2016.
O Sétimo Livro, surgiu como uma reunião de haicais, muitos eram poemas curtos, que estavam em um livro inédito: "Poemas em Série", depois de trabalhados viraram o "Livro Branco", segundo da coletânea de livros de haicai com as cores da bandeira brasileira, e a publicação pela Editora Pará.Grafo e foi resultado de uma seleção, onde a Editora publicou os cinco melhores livros inscritos. Os haicais desse Livro Branco estão mais soltos, mas devo registrar, algo que consta do prefacio desse livro, é que não são haicais que seguem a tradição japonesa ao pé da letra, são interpretações, mantendo a ideia dos tercetos, e tentando não ultrapassar as dezessete silabas poéticas, nesse segundo livro estou mais à vontade com a forma.
E chegamos ao Oitavo Livro, chamado de "Livro Amarelo", terceiro da coletânea, esse livro surge para marcar meus sessenta anos e  quarenta e cinco de poesia. Tinham um projeto original de reunir meus sete livros publicados, em um livro chamado de "Toda Poesia", mas o projeto não seguiu o curso, o livro está pronto para edição, terá que esperar dias melhores. O custo de publicação de um livro de poesia, ou qualquer outro tipo é elevado, com retorno incerto. No "Livro Amarelo", os haicais são mais radicais, se é que pode ser chamado assim, são radicais, porque alguns não respeitam o verso, como no exemplo a seguir : O sol/pintado/de negro. E como expressão tenta reduzir, e simplificar cada vez mais o verso. O Livro Amarelo tem essa pretensão.     

"o olhar 
inventa o por do sol
páginas abertas"

(F.M.)


Descansando e vivendo os ares de Cabo Frio.
SBDJ – O que você acha dos movimento literários, quais os que você participou? Fale também um pouco sobre as feiras literárias, o mercado de livros, etc...

FM - Nos anos 80, tinha uma luta contra os poemas discursivos, além de todo o movimento contra a Ditadura, era também parte da estratégia da Geração Mimeógrafo, um equipamento que pouca gente sabe o que é, hoje em dia. Imaginem que não havia a facilidade da Internet e redes sociais, e estávamos também longe do acesso as grandes mídias da época, os jornais e seus cadernos literários tinham apenas espaços para o “acadêmico” , e tínhamos um cerceamento das ideias, coisa que hoje pouca gente pode imaginar, nesse dias que tudo se fala e se publica nas redes sociais, e se compartilha opiniões.
Participei dos últimos anos da Geração Marginal, um movimento que deu muita gente boa, e muita poesia. Mas eles eram da zona sul do Rio de Janeiro e, eu, do subúrbio. Atravessar o túnel era complicado, esse pessoal teve livro publicado, e os expoentes foram: Leila Miccolis, João Carlos Pádua, Ana Cristina Cesar, Chacal e Charles. Tinha também o movimento da Geração Mimeógrafo, uma forma dos poetas publicarem seus livros e divulgar a arte da época, uma característica marcante era os poemas curtos e com humor, expoentes dessa geração Nicole Bher, Antonio Carlos (Touchê), esse último falecido, e novamente imaginem, não havia Internet, os fanzines eram impressos e vendidos pelas ruas, o mesmo com os livros. Outro movimento que acompanhei, e escrevi o texto Manifesto publicado no Suplemento do Jornal de Minas, foi o de Poesia Pornográfica, escrevi poucos poemas, mas teve passeata, com frases como essa: "Pelo Top less literário", e na Cinelândia, perto do Amarelinho, tinha espetáculos ao ar livre, com Eduardo Kac e Cairo Trindade.
As Feiras Literárias seriam uma saída se não estivessem totalmente atreladas ao mercado editorial e ideológico, acabam por criar panelas, nesse sentido são um mal, mas quando eu penso na experiência de FLIP para a cidade de Paraty, como fonte de renda para o turismo e despertar na população o interesse cultural, acho que o modelo compensa, e cria uma situação interessante. Quando escritores, na maioria arredios, viram celebridade. As escolas de Paraty não tinham biblioteca, a FLIP deu origem a movimentos paralelos como a OffFlip.
O Mercado de livros não é fácil, vive de alguns casos isolados. A baixa média de leitura do brasileiro, acaba levando-nos a um círculo vicioso,  quebrado em época de Bienais, como Rio e SP, mas não se sustenta, e ainda há a concorrência com os livros estrangeiros, e quem não é conhecido ou não tem destaque na mídia, não tem chance. Temos visto o fenômeno dos youtubers que acabam lançando livros com alta vendagem, ou quando alguém como Bráulio Bessa cai nas (des)graças da globo, soma-se ainda a crise de duas das maiores Livrarias do pais: Saraiva e Cultura, fechando lojas  e com uma dívida gigante com Editoras, aqui em Cabo Frio, vimos duas Livrarias fecharem: Ler e Ver e Boulervard, então esse mercado editorial é difícil. 

"liberando energia
o poema não compete
com a beleza da tarde!

(F.M.)



SBDJ – Você acha que as redes sociais podem ajudar uma carreira literária? No entanto você é um pouco arredio a elas, fale sobre esta sua fleuma...

"Livro Amarelo" previsão de lançamento no Charitas
de Cabo Frio - RJ / 2019
FM - Não tenho certeza de que redes sociais ajudem qualquer carreira, eu digo que até pode atrapalhar, mas é uma opinião muito particular, baseada nas minha crenças e valores. Quando de alguma forma acaba se conhecendo mais um autor por suas opiniões nas redes sociais. Eu tenho passado por isso, e alguns escritores e compositores pelos quais nutria alguma admiração, e em função de conhecer o que pensam sobre determinados assuntos, acabo com restrições, e assim como tenho essa dificuldade, entendo que outras pessoas possam tê-la. 
O que ajuda uma carreira literária, em primeiro lugar é ter talento, e segundo, ter esse talento reconhecido, de preferência, por um “padrinho” poderoso, aí caminho está aberto. Eu uso rede sociais mas com muita reserva, é uma praça pública e o que se diz acaba tendo um alcance muito grande, e falando claramente, não tenho paciência para algumas plataformas, acho tudo muito artificial, todo mundo querendo passar uma imagem fabricada, não tenho certeza de que seja uma ferramenta para se construir algo. Posso estar totalmente equivocado, e não saber utilizar as rede sociais como ferramenta para sustentar uma carreira seja ela qual for.  

"anjos do 
terceiro mundo
não usam roupas de grife."

          (F.M)        


SBJ– Qual é o papel político, cidadão e espiritual de um poeta, na tua percepção?

R – Não tenho ideia de qual papel político possa ter um poeta em nossos dias, não vejo resposta definitiva para essa questão, o discurso poético não pode, ou não deveria ser pautado em uma defesa de causa, ou ser usado como discurso para plataformas político-partidárias. O poeta – cidadão, certamente tem suas convicções políticas, religiosas, construídas pelas experiências de vida, pelo ambiente em que se deram essas experiências, essas convicções acabam se imiscuindo no seu trabalho, ninguém escreve sobre o que não viveu. E ser poeta, tem uma responsabilidade, um compromisso básico, consolidar a linguagem renovada, os poetas precisam dar oxigênio a língua, criar a partir dessa incansável procura pela perfeição, mesmo que inatingível.  

"ampliar a visão
redescobrir traços
da nova consciência"

(F.M.)


SEBJ - Que rumos você antevê para a poesia brasileira nos próximos anos?

FM – Existe um paradoxo nos nossos dias, uma quantidade grande de poetas, e um desconhecimento quase total em relação a esses poetas. Se publica muito, mas quem seria o poeta ou grupo de poetas representativo desse período? Eu, sinceramente, ainda que conheça muitos, não consigo apontar um poeta representativo, talvez o último grande nome tenha sido Paulo Leminski, como aglutinador, e não é por falta total de poetas com trabalhos sólidos, eu cito novamente: Leila Miccolis, Nicolas Bher e Ana Cristina Cesar, infelizmente falecida. Não há hoje um movimento que reúna ideias, o último movimento ficou nos anos 80. E não há uma predominância de “escola”, o site da Blocos, infelizmente fora do ar, tinha em sua página 3482 autores cadastrados, e servia de base para pesquisa de poetas contemporâneos. Eu ainda citaria, poetas como Cairo Trindade, Mano Melo, Artur Gomes, que lançou um livro muito interessante: "Juras Secretas", posso ainda citar Jiddu Saldanha, e poetas com os quais troquei correspondências, como Marca Maia, Sergio Bernardo, Tatiana Alves, Cris Dakinis. 
Em 2018, a poesia apareceu muito bem, com a vendagem extraordinária de Bráulio Bessa e a premiação de "à cidade" (Autor Independente), de Maílson Furtado , escolhido como  o livro do ano no 60º Prêmio Jabuti, interessante colocar aqui  o comentário do autor:    “Essa premiação abrirá portas para apresentar uma forma de produção que caracteriza grande parte das publicações atuais. Existe, sim, literatura de qualidade feita de forma independente” . Foi ele próprio quem diagramou, editou e ilustrou a capa do volume. Fez o mesmo em seus três livros anteriores: “Sortimento” (2012), “Conto a conto” (2013) e “Versos pingados” (2014). Talvez seja esse um caminho a seguir, Maílson Furtado, nasceu no interior do Ceará, Varjota, tem 27 anos, é Dramaturgo e Dentista. O livro à Cidade teve uma tiragem de 300 exemplares, agora esgotados, um livro de 60 páginas, todo custeado pelo autor, em entrevista disse que no lançamento tinha apenas dez pessoas. Talvez esse seja o caminho, e leve a outros sucessos improváveis como esse, aliás a poesia, é a arte do improvável.   


Aproveite para curtir este vídeo onde bato um papo com 
Flavio Machado sobre Publicações de Livros de Haicais.


Cabo Frio / JANEIRO - 2019

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