segunda-feira, 17 de junho de 2013

OPINIÃO - A Revolução Permanente.

Uma reflexão sobre os rumos das manifestações nas ruas e praças do Brasil.

No dia 08 de Março de 1857, nos EUA, 130 mulheres morreram queimadas porque protestavam contra o trabalho escravo. Recebiam menos que os homens, cuidavam dos filhos e tinham que trabalhar 16 horas por dia. A truculência do estado, simplesmente fechou as portas e cometeu o crime.  53 anos depois, em 1910, o dia 08 de março foi escolhido para ser O DIA INTERNACIONAL DA MULHER.  Este ato de coragem entrou para a história, mas a humanidade nunca mais foi a mesma, desde aí. As mulheres fizeram em 100 anos o que não fora feito por toda a história da civilização ocidental. Elas questionaram a brutalidade masculina e a manipulação das religiões, contra seus direitos e, agora, não tem mais volta e todos nós, no fundo, sabemos que nenhuma bomba de efeito moral as fará desistir.
Desde que os militares argentinos seqüestraram os filhos das mulheres daquele país, elas foram para a praça de maio e enfrentaram a fúria do leviatã, com penelaços e gritos de “abaixo a ditadura”, fincaram o pé e não saíram mais. Já vai para 4 décadas e elas agora protestam contra todo tipo de opressão. No fundo, sabemos que todas as ditaduras passarão, mas as mulheres da praça de maio estarão sempre lá, influenciando e mudando os rumos da história.
Também no Brasil, vimos todas as manifestações possíveis. Desde a “marcha das vadias”, “passeata do orgulho gay” e “marcha da maconha” e, há não muito tempo atrás, uma multidão de adolescentes chamados de “Caras Pintadas” ganharam as ruas do Brasil para destronar o presidente super homem. Alguns anos depois, esses jovens, já saindo das universidades, votaram num outro presidente saído das camadas populares e deram a ele todas as chances, embora, tenham se decepcionado.
A notícia boa é que os "caras pintadas" conseguiram o que quiseram; a notícia ruim é que alguns setores da mídia tentou dizer que eles foram a massa de manobra de alguém. Tenho uma notícia pior ainda, para aqueles que gostam de dizer que o brasileiro é um alienado e só pensa em futebol e samba. A péssima notícia é que os filhos dos "caras pintadas" estão em alerta e não estão de brincadeira! Eles se articulam muito mais rápido do que imaginamos, eles têem uma eficiência rasteira que nenhuma bala de borracha consegue alcançar.
Os conservadores e céticos, resolveram cutucá-los com a vara curta. Que azar, depois de quase 8 anos de aumentos abusivos de preços em todos os setores resolveram rir da cara deles, colocando míseros 20 centavos de aumento em suas passagens de ônibus.
Quer dizer, não basta aumentar o preço, é preciso humilhar! É preciso ser irônico. É preciso fazer troça com o último pingo de suor do rosto deles.
Mas agora, vou ser obrigado a dar uma ótima notícia para todos.
A massa está engrossando. Estão vindo os filhos e netos dos “caras pintadas” junto com a “turba de 68”, os furiosos das “diretas já” e os exércitos de excluídos. Negros, índios, bolivianos. Os estudantes que não conseguem ter uma universidade decente. Os artistas que nunca são levados a sério, os gays, as domésticas... Todos estão saindo das sombras. Esses 20 centavos são apenas uma alegoria. Toda essa multidão frustrada e traída sabe, que quando for às ruas, não serão recebidos com flores mas a sabedoria do tempo, também ensinou a essa massa descontente que, nem mesmo trancando-as em galpões e ateando fogo neles, vão conseguir conter a marcha da revolução permanente!

Jiddu Saldanha,
15.06.2013

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Arabela e Frajola - Capítulo VIII

Na comunidade, Berinjela é saudado por moradores em polvorosa; bandeirolas pretas e cartazes com palavras de ordem como “viva nosso herói”, “mate todos eles”, “somos todos Berinjelas”.  A multidão se acotovela para ver o orgulho do bairro. Gritos de “viva nosso guerrilheiro” ecoa por todo lado. Moças bonitas ostentam cartazes maliciosos com contornos de bocas mandando beijos, e frases; “gostoso”, “queremos você”, “nosso ídolo”, “tesão”. Adolescentes de boné, fazem passos de hip hop, como se fosse uma coreografia guerreira, dão-se as mãos numa complexa saudação, mostram força e poder. Dançam para Berinjela que os saúda com um gesto de hip hop, no muro mais adiante, vários grafiteiros trabalham coordenadamente uma enorme fotografia dele com uma boina estilo Ché Guevara.
Do meio da turba, uma voz de mãe grita “filhaaaaa, minha filha querida, você está aí”, a meninazinha com a boneca barbie salta do conversível e grita “mãe, mãe, te amo mãe”, as duas se encontram no meio da multidão e se abraçam enquanto o carro se afasta, aos poucos, a menina vai desaparecendo no meio da massa e acena para Arabela, ela corresponde e ouve a voz infantil ressoar do meio da multidão, “eu te amo Arabela, eu te amo, nunca vou te esquecer, você ainda vai ouvir falar de mim”. Arabela consegue ver os olhos inchados da mãe em lágrimas, até que as duas desaparecem como se fosse uma miragem.
Arabela, séria, empunha uma submetralhadora UZI  e olha atentamente por entre as pessoas. Seu olhar farejador busca os agentes de Mostarda, que possam estar infiltrados. Em seu ombro, Frajola permanece teso, orelhas em pé, bigodes arrepiados. Volte e meia, o felino levanta o focinho no ar para sentir o cheiro dos cupinchas do deputado Samir de Souza. Está tudo bem, ele pressente que não há perigo, relaxa no ombro, encolhe o rabo, enrolando-o nas patas de trás enquanto se equilibra e ronca próximo ao ouvido esquerdo de Arabela. Ela também relaxa e começa a curtir a festa em homenagem ao seu amado, faz uma sutil expressão de prazer, parece feliz ao ver que as meninas da comunidade acenam pra ele expressando um desejo sexual coletivo. 
A força masculina de Berinjela hipnotiza as mulheres e Arabela, excitada, enrijece o corpo, suas pernas engrossam, seus braços ficam tesos e com um gesto radical dá um soco no ar, e de sua garganta explode uma raiva que faz a submetralhadora cair a tiracolo, ela solta um grito,  “Morte aos corruptos”. As meninas, entendem a mensagem, levantam fortemente os braços e Arabela fica surpresa ao perceber que todas elas portam metralhadoras. Os dedos nos gatilhos ao mesmo tempo produzem uma chuva cliques numa simulação de tiros pro ar enquanto gritam num coro que cobre toda a multidão, como um manthra. “SOMOS TODAS, A R A B E L A S”!

sábado, 8 de junho de 2013

A Arte de Ser Ignorado


O filme “O Enigma do Colar” cujo título original é The Affair of the Necklace, numa intrincada trama capa-espada, insinua que a rainha da França, Maria Antonieta foi guilhotinada por ter ignorado a protagonista. Mas não posso contar o filme neh?
Qual a sensação de ser ignorado? Como conviver com este sentimento de dor e decepção? Não posso falar por todos, no entanto, relato aqui algumas experiências genéricas para ilustrar esta crônica.
A primeira e, talvez, pior forma de “ignoramento” é quando, na adolescência; a garota por quem se está apaixonado vem e relata ter saído com o seu melhor amigo, isso parece clichê de telenovela, mas dói, gente, e como!
Não bastasse a total falta de sono e lágrimas da noite anterior, a desgraçada vem sorrindo no dia seguinte e conta como foi o primeiro beijo e dali uns cinco minutos quem aparece na tua frente beijando a “Desdêmona”? O próprio. Um horror! Trauma para o resto da vida...
Meu pai contava que os oficiais nazistas, quando combateram na frente russa, nunca mais foram os mesmos; tinham sido ignorados pelo Fürer na tentativa de alertá-lo sobre o risco da precipitação. Já o meu gato, o Flechinha, não aceita ser ignorado, seu miado pode atravessar uma mata escura em noite de lua cheia (confesso ser ridícula esta imagem do gato em noite de lua cheia, peço que ignorem...).
Dizem que o desabamento na serra do Rio de Janeiro fora avisado com muita antecedência e já era previsível há mais de 40 anos. Os apagões que queimaram todas os computadores e bombas de água da região dos lagos, antecedem a própria invenção da eletricidade. O hino nacional parece que nasceu para ser ignorado, principalmente pelos jogadores de futebol e atletas olímpicos!
Bom, paranoia à parte, ser ignorado tem seu lado bom.
Conheço uma pessoa que quando pega um ônibus ou para num orelhão, faz uma oração para ficar invisível. Medo de assalto. Será que funciona? Eu conheço a oração dos endividados agora, para ficar invisível, não; se alguém souber me manda, no Brasil de hoje, uma reza assim pode nos tirar de uma roubada, principalmente agora que é moda deixar número de CPF, o documento mais visível do planeta; em tudo quanto é lugar.
Eu suporto todo tipo de “ignoramento”, mas nenhum é pior do que o do facebook. Você escreve para a pessoa no dia 23 pela manhã e ela responde duas semanas depois pra dizer que está ocupada e não pode “falar” agora e ainda joga na tua cara que está com a agenda cheia!
Mas como sou daquelas pessoas irritantemente otimistas; Gosto de pensar que nada pode ser ruim neste mundo de egos onde ignoramos e nos ignoram (ainda que por vingança). No final das contas, viver em grupo, virtual ou não, sempre nos coloca frente a frente com o outro e isto é, talvez, a única experiência da vida pelo qual realmente valha a pena viver.

Jiddu Saldanha
06.06.2011

Crônica - À Espera do Público.

Um amigo poeta me disse que a maior invenção contemporânea foi a palavra “bulling”, graças a ela ele se libertou das amarras da solidão e perdoou até os pombos que cagavam em sua cabeça nos tempos de faculdade. Ele me disse com os olhos cheios de lágrimas que quando decidiu ser artista sofreu de tudo. Até a filha do padeiro que havia lhe prometido uma noite de amor, deu pra traz na hora que ele confessou o crime: “ Vou ser poeta e ator”! Isso mesmo. Diz ele que a menina levantou nos trajes que estava e saiu sem olhar pra trás e só voltou a falar com ele, divorciada e 30 anos depois.
Ele me contou que virou um marginal completo! Circulava pela cidade declamando Vinicius de Morais e Fernando Pessoa enquanto seus colegas de bairro fingiam que não o viam. Mas nem tudo era ruim, a rua XV de Novembro ficava infestada de belas polacas que lhe traziam dinheiro, flores e sorrisos enquanto os amigos da faculdade atravessavam a rua com o jornal Gazeta do Povo, tapando a cara! Segundo ele, uma cartomante famosa na cidade, comparou sua situação à de Jesus, e o aconselhou a ir para o Rio de Janeiro, onde, definitivamente, tornou-se um “Zé ninguém”.
Sua alegria, contou-me, era visitar os recitais do Urbana, e ver o poeta Samaral, o mais marginal dos poetas marginais do Rio de Janeiro, recitar poemas ácidos, completamente bêbado. Depois, ia para o Cep 20.000, no teatro Sergio Porto, para ver  Chacal, Elisa Lucinda e Mano Melo declamarem poemas políticos e sensuais. Cruzava o túnel até Copacabana e seguia a gang pornô do Cairo e Denise Trindade e depois passava a noite num boteco, bebendo com Zeca de Magalhães e Brasil Barreto até o amanhecer. Fazia sua higienização no Centro Cultural Banco do Brasil, até o dia que um segurança percebeu e o entregou para o chefe.
Quando meu amigo acordou estava com 55 anos e ainda não havia criado sua obra; me disse que cada vez que tomava a iniciativa de mostrar um poema pra alguém, faziam chacota do seu mal português e que seus momentos de declamação nunca tiveram público; sequer uma alma na platéia. Ninguém ia assisti-lo e quando percebeu, amargamente, sentiu na própria pele o que é não ser nada. Parece que se confundiu com o “tabacaria” de Fernando Pessoa e seu heterônimo Álvaro de Campos, onde o poeta afirma: “Não sou nada / Não posso querer ser nada / À parte isso / Tenho em mim todos os sonhos do mundo”!
Amargurado, recebi, numa noite de fortes ventos, em Cabo Frio, a notícia da morte do meu amigo. Chorei de forma egoísta porque comigo a vida não foi e não está sendo cruel. Tenho tido uma vidinha simples e boa. Também me sinto um Zé Ninguém, mas vejo charme nisso! Da vida artística não guardo qualquer ilusão. Os jovens são simpáticos e alguns até me chamam carinhosamente de "mestre". As crianças se aproximam de mim sem medo, meus colegas de profissão de vez em quando aparecem num ou outro show e sempre são simpáticos. Não recebo elogios rasgados e as críticas nunca são tão severas. E já vi muita sinceridade nos olhos de colegas de ofício que me convidaram para beber depois da apresentação.
Estou começando a acreditar, que um dia, vou ter uma surpresa: Talvez o público me encontre por aí. Quem sabe? Tudo é possível!

Jiddu - 17 de Agosto de 2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Arabela e Frajola - Capítulo VII

Capítulo VII

O Dr. Odorico Josh Jonh reúne os membros da organização para mostrar sua nova criação científica, a reconstituição física do deputado Samir de Souza. Uma casa retirada no subúrbio de Porto Citty, aspecto sombrio, sala com pé direito alto, luminárias antigas penduradas no teto e uma enorme mesa redonda com a presença dos principais líderes da Quadrilha da Luva. “Estamos num belo momento histórico, prontos para contemplar o limiar da ciência do terceiro milênio em Porto City”. Os aplausos irrompem num misto de expectativa e excitação. “Minha criação não tem nada a ver com o que o meu ídolo, o Dr. Frankenstein, criou. Vocês vão ver algo muito mais arrojado, um verdadeiro desafio no que concerne às técnicas de aperfeiçoamento humano. Trata-se do primeiro transplante de cabeça e pescoço, humanas, feito na América do Sul”. Ouve-se um sinal de tumulto “A ciência da América Latina está cada vez mais desenvolvida e...”, de repente um grito de mulher interrompe a fala do Dr. Odorico. “Anda logo seu filhadaputa, chega de discurso, quem dá discurso sou eu”.
O Dr. Odorico vai até o final da sala, abre uma cortina de onde a voz saiu, todos se espantam com a bizarra figura de um corpo de paletó e gravata, em pé, falando e esbravejando, com uma voz e cabeça completamente feminina. Na entrada que separa o pescoço do tórax, uma gola branca levemente ensangüentada bem no local onde fica a costura do corpo do deputado Samir de Souza e a cabeça de sua amante, Rosalva Gomes da Luz. Nos rostos dos participantes, uma expressão gélida de pavor. Mostarda, trêmulo, levanta sua taça de vinho bordô e meio inseguro grita para todos “Vamos saudar o deputado com um glorioso viva”, todos levantam suas taças e gritam ao mesmo tempo: “Viva nosso deputado”. 
O deputado circula por entre os membros da quadrilha e fala. “Vocês sabem que sou uma pessoa muito pragmática. Aquela vaca da Arabela explodiu minha cabeça, mas meu cérebro ficou intacto e o Dr Odorico teve de me colocar na cabeça dessa vagabunda que vocês estão vendo agora. Sim, porque Rosalva me traiu e eu a matei congelada numa câmara frigorífica. Para minha sorte, pois meu cérebro foi transplantado na cabeça da vadia e eu estou aqui. Alguém quer comentar alguma coisa?” 
O coronel Artaxerxes Moura levanta o dedo e fala, com voz trêmula: "Sr. Deputado, seu pescoço está cheio de vinho”, “Isso não é vinho, imbecil, é sangue, esse médico de araque costurou a cabeça da vaca no meu corpo como se estivesse costurando um cachorro. Vou cortar metade da verba de suas pesquisas”. O Dr. Odorico dá um sorriso amarelo enquanto há silêncio e mal estar geral. “Desculpe, Sr. Deputado”, diz o coronel. 
O deputado liga um retroprojetor e começa a passar imagens sucessivas de todas a cracolândias de Porto City. “As imagens que vocês estão vendo, é sobre nosso próximo plano para dominarmos definitivamente Porto City e depois disso, o Brasil e talvez toda a Amércia do Sul. Como vocês puderam notar, a ideia dos Zumbis falhou porque o antídoto caiu nas mãos  daqueles dois. Isso mesmo, Arabela, Beringela e até aquele gato agourento, juntaram-se à oposição, contra mim. A ação dos zumbis não foi a esperada, acabamos por descobrir que a ação dos zumbis brasileiros não são iguais os da América do Norte. Os de lá vão logo devorando tudo pela frente, os nossos são pacíficos, ficam vagando pela cidade exalando mal cheiro mas não fazem porra nenhuma". Razão pela qual, vamos transformar Porto City na maior cracolândia do mundo. Os usuários de craque são mais ativos que os zumbis, se ficam sem a droga, tornam-se agressivos e com um ship instalado eles vão infernizar a cidade, tudo controlado por nós.
Os membros da quadrilha levantam suas taças de bordô e gritam juntos, capitaneados por Mostarda: “Viva Porto City, a maior cracolândia da América do Sul”. Dão gargalhadas coletivas e parecem felizes com o novo plano. O deputado, não resiste, e bebe uma taça de vinho junto com todos, mas sua gola branca vai ficando ainda mais entumescida pelo vazamento entre os pontos de costura da pele do pescoço e do torax. Com a voz esganiçada de Rosalva, fala aos berros. "Esta cirurgia ficou uma merda, Odorico, dê um jeito de contratar um cirurgião plástico pra costurar essa porra".

domingo, 2 de junho de 2013

Crônica - Bichos de Guerra

Meu pai, em suas preleções sobre guerras, contava que quando os aliados bombardearam Dresden; uma chuva de napalms foi despejada sobre o Zoológico da cidade e que os bichos teriam se dispersado pelas alamedas da poderosa cidade industrial alemã, semanas depois, a população esfomeada, vítima da derrota nazista e da barbárie da guerra, tiveram que comer a carne dos animais mortos para sobreviver. Uma cena dantesca narrada pelo velho Hilário com detalhes. Imagens de terror e piedade num desfile da brutalidade humana contra cavalos, cães, pássaros, gatos, bichos selvagens e tudo o mais que habitasse o planeta.
Recentemente, um filme japonês me chamou a atenção. Um professor universitário encontra um filhote de Akita e decide adotá-lo, cuida dele com amor. Mais tarde, quando o professor morre, o bicho começa a ir à estação de trem para esperá-lo e a cena se repete por mais de 10 anos, todos os dias no mesmo horário. Essa história ficou famosa no Japão e uma estátua do cão foi erguida na mesma estação, e está lá até hoje para quem quiser ver. Esse filme me levou às lágrimas e passei a lembrar de outros filmes comoventes, como uma produção estadunidense, recente, que conta a história de um cavalo que sobreviveu à primeira guerra mundial do começo ao fim, alternando entre as tropas inimigas de ambos os lados.
Tomado de compaixão e delírio, passei a observar mais de perto os animais, nas diversas cidades brasileiras por onde circulo, e o que vejo é um quadro desolador: cachorros abandonados vagam à procura de seus donos, gatos magros e doentes que atravessam ruas dia e noite com seus olhos brilhantes de fome, e até cavalos que reviram lixo à procura de comida. Em cantos de postes perto de valas, existem ninhos de caracóis africanos, que, segundo a postura pública, transmitem doenças infecto-contagiosas. Ja vi cobras corail, jibóias e verdes, mortas em áreas mal preservadas. Em algumas cidades turísticas, o lixo se acumula e uma superpopulação de urubus são atraídos pelo cheiro de carniça em todos os lugares.
Desde os relatos românticos de filmes que contam histórias de amor entre animais e seus respectivos donos até a realidade crua que vemos no cotidiano de uma cidade, o que sentimos está bem longe de um filme poético e romanceado sobre o amor universal. Percebemos um mundo que se sustenta na corda bamba de um capitalismo cada vez mais cruel e voraz e que coloca bichos e homens indefesos no mesmo patamar de desolação. Vemos a miséria, a tristeza e a desesperança no rosto dos animais, assim como vemos a desigualdade social entre a própria espécie humana. Como achar o ponto de ruptura disso para a criação de uma sociedade mais justa? Fica a pergunta no ar.

Jiddu Saldanha – 21/01/2013

Videopoemas.

Existem várias formas de abordar a poesia através do vídeo, hoje, com as novas tecnologias, ficou mais acessível o contato do público e também do criador, uma câmera na mão, um poema na cabeça e tudo pode se transformar em audiovisual.









Fotopoemas

Com o advento da internet, o foto poema virou uma prática mais acessível a todos, embora exista desde os primórdios da fotografia. Selecionei aqui alguns ligados à minha prática poética. Estilos de versos livres que são combinados, às vezes aleatoriamente às vezes criados especificamente para o tema fotográfico.  


Modelo da foto - Christianne Rothier, fotografada por Jiddu Saldanha.























Poema de Jiddu Saldanha e fotografia do fotógrafo mexicano Raul Sibaja. Pessoa da foto, Jiddu Saldanha


Foto de Jiddu Saldanha, imagem de um urubu planando sobre Cabo Frio.

sábado, 1 de junho de 2013

Haicais - 2013

Estilo de poesia nascida no japão e que tem adeptos no mundo inteiro. Para alguns estudiosos, o haicai não é literatura mas um estilo de vida ligado à escrita. No Brasil temos diversos tipos de haicais originários da matriz oriental.  Os meus são de forma livre e em alguns casos 
inspirados nos mestres que escolhi para espelhar: 
Paulo Leminski, Paulo Franchetti e Herbert Emanuel

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Tapetes de sal –
É sobre eles que caminho
até o mar

*
Sofrer por amor –
é sentir que o que se ganha
traz  junto essa dor

*
Vento suave –
Sinto o cheiro da brisa
na tua saudade

*
O tempo passou –
Mas os cravos sobre os fuzis
ainda sangram

*
Sonho bonito –
A paisagem no meu sono
é  infinita

*
Para conhecer a fundo o universo do haicai, mantenho junto com a poeta carioca Chris Herrmann o blog NOSSO HAICAI

Suicídio de Artistas - Crônica

Chaplin,em sua biografia, conta dos artistas que começaram a se suicidar por volta de 1912. Artistas que ficaram desesperados quando perceberam que o surgimento do cinema fez nascer um conceito de mito, de fama, muito diferente do que estavam acostumados! Alguns se jogaram da ponte do Tamisa, outros apontaram revólveres para a própria cabeça, num sinal de protesto e, ao mesmo tempo declarando sua incapacidade de adaptação às mudanças rápidas que ocorrem no dia a dia ocidental.
Tenho ouvido discursos semelhantes de vários colegas, alguns estão considerando a possibilidade do suicídio, por se julgarem inúteis e mal encaixados num mundo globalizado e rápido como o de nossos dias, mas há também aqueles que se sentem sozinhos, deprimidos, sem trabalho ou interlocução para lidar com o contexto conturbado da vida política e do cotidiano do país!
Há aqueles que estão migrando para outras profissões e passaram a acreditar que realmente não é possível viver de arte, principalmente nos tempos atuais, onde o conceito de mito e celebridade passou a exigir cada vez mais, um apelo imediato e de total empatia com o público numa velocidade que não combina com um processo mais aprofundado de elaboração. A depressão, o medo, a angústia e a solidão tem sido uma constante na nossa profissão, sobretudo um sentimento de inutilidade e um certo vazio causado pela profunda falta de esperança. Há o medo de chegar à velhice sem qualquer cobertura do estado e/ou uma garantia de descanso depois de uma vida de trabalho. E ainda, o pior de todos os medos que ronda um artista. O esquecimento!
E tem aqueles que sentem medo de perder seus companheiros ou companheiras por não conseguirem uma forma digna de prover o sustento e dar garantias para sua família. Vivendo como se fossem mendigos hi-tec, sem dinheiro para viver mas usufruindo de uma vida de aparências, impossível de esconder, no grande big brother que se tornou nosso viver contemporâneo.
Na minha Percepção, esses fantasmas sempre existiram na vida dos artistas. Se hoje vivemos uma pressão econômica maior, em tempos outros, era bem difícil lidar com o TABU da profissão. Atualmente o artista é mais aceito pela sociedade de consumo; muitos criaram corporações e vivem de seu trabalho, outros conseguiram seu lugar ao sol trabalhando para grandes emissoras de televisão, ostentando um ar de sucesso e que muitas vezes, tem que ceder em suas crenças filosóficas para se tornar mero “vendedor de luxo” de produtos para o consumo de uma sociedade insaciável. E é diante desse e de outros quadros, que muitos se fragilizam conhecendo os limites da depressão e se vendo oprimidos em sua condição.
Quando recebo a notícia de que um colega de profissão deu cabo da própria existência, fico no vácuo de mim mesmo, num vazio muito grande, me perguntando o que o levou a cometer este ato para consigo mesmo.  As respostas eu não tenho, ninguém tem. Alguns podem nos convencer sobre abraçar uma fé cristã, encontrar um trabalho rentável, buscar um amor que o faça querer viver. Mas,sinceramente, não há uma resposta linear, senão o viver e o ser de cada um e, como diria Caetano, "cada um sabe a dor e delícia de ser o que é".
Aos amigos que fizeram essa escolha dramática, desejo-lhes paz, que encontrem algo além do que não encontraram aqui e àqueles que, por ventura, pensem num desfecho assim, para sua vida, desejo muita reflexão, um olhar alargado sobre as múltiplas situações da vida e uma reação forte no sentido de buscar realizar seus sonhos da forma possível, sem expectativas que gerem frustrações e desgastes para a alma! Como já disse minha mãe, tantas vezes, “é necessário sempre dar o passo do tamanho da perna e só depois que estiver acostumado, aí então, se deve saltar, com cuidado, para não cair no abismo". Viver e morrer é uma cosia só, estamos todos neste caminho e não adianta disfarces. Fico solidário aos que partiram, entendo seus motivos, comungo de sua dor e nunca desistirei de ama-los. Sempre penso em vocês...
                    
JidduSaldanha
03/06/2011

O Rio da Vida - Crônica

Crônica, saudando os 20 anos da fundação 
da organização Palhaços 
sem Fronteiras.
.

Quem viveu o início da década de 90 do século passado, conviveu com um terrível incômodo nas manchetes internacionais, a Guerra dos Balcãs ou a Guerra da Yugoslávia. Muita gente nunca tinha ouvido falar naquele lugar, sabia-se, precariamente, que ficava na Europa e que fora um lugar onde houvera o regime comunista. Falava-se que era um paraíso habitado por mulheres bonitas e que também tinha o Rio Danúbio, cruzado por pontes de arquitetura irretocável. Também se falava nos franco-atiradores, que se posicionavam em prédios para alvejar, a esmo, a população civil; tiros mortais que feriam crianças, velhos e até animais de estimação.
Acordar com a notícia da guerra na Yugoslávia tornava a “guerra do Rio de Janeiro” mais suportável, nos anos 90, jovens com menos de 20 anos de idade, matavam, em assaltos cinematográficos, passageiros de ônibus, que carregavam fotografia dos filhos e marmita para comer no trabalho. Os bad boys, com tacos de basebol buscavam, pelas madrugadas, adolescentes que retornavam para suas comunidades. Em Vigário Geral, uma gang formada por ex-policiais dizimou dezenas de inocentes. Alguns meses antes, membros da mesma gang matara crianças de frente para a Santa, na candelária. E, neste mesmo ano, minha amiga partiu para os Balcãs para ser Médica sem fronteiras e de lá ganhou mundo, levando a cura e a consciência de vida.
Em 1993, o palhaço catalão, Tortell Poltrona (Jaume Mateu Bullich ) fez uma apresentação num campo de refugiados da Yugoslávia para crianças, filhos da guerra e criou a organização Palhaços sem Fronteiras. Quando soube dessa notícia, percebi que o rio da vida corria em minhas veias, numa noite de delírio, imaginei o nobre palhaço, voando da Catalunia, como numa imagem de Marc Chagal, e aterrissando com suas asas de riso, pelos ermos campos da Bósnia, driblando os bombardeios com seus imensos sapatos e dando tortada na cara do Radovan Karadzik ( o então presidente daquele mundo em guerra) Imaginei Tortell pilotando uma nave azul e as noivas da macedônia acenando para ele, também com um lenço azul. Tortell invadia meu imaginário enquanto eu chutava latinhas nas marquises do Rio de Janeiro, pensando, qual seria o próximo lance de dados que teria de jogar com a vida.
Ainda nos anos de 1990, vi Tortell Poltrona, num teatro do Rio de Janeiro, sendo apresentado pelos gestores do projeto Anjos do Picadeiro, entrei anônimo e sorrateiro para assisti-lo e tive a felicidade de vê-lo dar uma “tortada” na cara do ator Luiz Carlos Vasconcelos, o palhaço Xuxú, que, inesperadamente, dividiu a torta comigo e meu rosto, enlameado de ternura, desmanchava-se numa enxurrada de lágrimas. O rio da vida escorria pelo teatro numa emoção coletiva até hoje inesquecível.
Tortell vive e as guerras também.
Hoje acordei com a notícia do bombardeio francês no Mali, notícias de mortes no Afeganistão, civis acuados na Síria, entre tropas do governo e rebeldes. Na TV filmes de horror profetizando guerras monumentais entre China, Estados Unidos e Rússia. No quintal de casa, um gato divide “irmanamente” com minha cachorra Sassá, um espaço numa cesta com paninhos e uma casinha e dentro de casa meus três gatos afiam suas unhas nas revistas velhas, no jardim, uma aranha tece uma bela teia e os marimbondos insistem em fazer sua casa em lugar proibido e... no meu coração, corre o rio da vida.

Jiddu Saldanha – 15/01/2013

Homens que Caem do Céu - Crônica

Passei boa parte do dia tentando amarrar cordas de náilon num gigantesco pedaço de plástico até juntar as quatro partes do mesmo e amarrar num cinto de pneu em forma de “X”. Tudo no meu tórax. Fiz alguns ensaios correndo pra lá e pra cá, medi o pé direito da casa como se fosse um especialista e concluí que a altura era boa para o primeiro salto do mais jovem pára-quedista da historia: Eu.
30 anos antes de meu grande salto, em 1944, mais precisamente no dia 05 de junho, os aliados jogaram sobre a cabeça dos alemães uma força de elite com 18 mil para quedistas que caíram silenciosamente do céu em diversas localidades da Normandia, França, com o objetivo de atacar os inimigos de dentro de seu próprio território, desarticulando-os para que, no dia 06, acontecesse o desembarque nas praias com soldados vindos da Grã Bretanha pelo mar. Eles chegavam em fabulosas embarcações de todos os tipos e este dia ficou conhecido na história como o dia “D”.
Em 1974, meu pai estava muito preocupado e com um problemão pra resolver:
- Desce daí meu filho.
Em cima do telhado eu via o céu azul, sentia o vento e mirava o vasto matagal à minha frente. Seu Hilário argumentava.
- A altitude é baixa, não vai abrir. Você vai quebrar a perna!
- Não vou não, pai, eu já treinei.
- Treinou errado, meu filho. Os pára-quedistas treinam em lugares altos, lá no Rio de Janeiro que é cheio de montanhas intercaladas de campos abertos e vastos e um vento quentinho, do jeito que o pára-quedas gosta. Você já viu alguma montanha em Curitiba? E o vento aqui é gelado, filho.
- Pai, você não está entendendo, eu sou o menor pára-quedista do Brasil, o primeiro com menos de 10 anos de idade, isto é um acontecimento histórico – embora não tenha dito isso desta forma, ficou clara a intenção.
- É, meu filho, com certeza você é um pioneiro, mas desce daí que te ensino a fazer um pára-quedas de brinquedo, igual aos que eu brincava quando tinha a tua idade.
- É mesmo?
Desci imediatamente apoiando-me pelas vigas do barraco.
Em 1962, o pára-quedista russo Eugene Andreev bateu todos os recordes de altura num salto com mais de 25 mil metros e que até hoje nunca foi superado. A brigada pára-quedista brasileira foi para o Egito em 1957 e ficou lá por quase 10 anos apoiando as nações unidas a manter a “paz” na região de Suez. Meu pai me ensinou a fazer para quedas com plástico e uma pedrinha amarrada embaixo, na base onde se encontravam os oito fios de barbante.
O pára-quedas foi o meu melhor brinquedo da infância.
Dizem que os filhos e filhas dos pára-quedistas nascem sorrindo por causa do friozinho na barriga que suas mães sentem a cada manhã de despedida, pois sabem que, naquele dia, alguém literalmente vai cair do céu, realizando grandes e poderosos saltos, mas desta vez, da altura certa e com total segurança, embora, num rigoroso treinamento militar, ou numa deliciosa brincadeira esportiva.
Eu nunca saltei de pára-quedas.
Mas meu pensamento voa quando vejo uma forografia!

Jiddu Saldanha
11.06.2011